1 de dezembro de 2017

Sugestões de Natal



Frank Sinatra “Ultimate Christmas” (Capitol, 2017)
Há muitos discos de Sinatra para o Natal: mas o primeiro, de 1948, vezes sem conta recauchutado pela indústria, é por ora ignorado. Aqui começa-se por “A Jolly Christmas” (1957), passa-se pelo álbum gravado com os filhos (1968) e conclui-se com uma ‘Silent Night’ (1991) com Frank Jr. ao piano em que se atinge o inimaginável: um Sinatra absolutamente sincero.

Ella Fitzgerald “100 Songs for a Centennial” (Verve, 2017)
O seu primeiro 78 rpm chamava-se ‘I’ll Chase the Blues Away’ e, em rigor, outra coisa não fazia Ella de cada vez que abria a boca. Nasceu em 1917 e andou à deriva até que se agarrou ao palco como um náufrago a um salva-vidas. Suficientemente panorâmica (1936-1966), esta antologia acompanha-a na edificação de um dos mais expressivos cancioneiros do século XX.

Gregory Porter “Nat ‘King’ Cole & Me” (Blue Note, 2017)
Porter dramatizou a sua relação pessoal com Cole em 2004 (“Foi o pai que nunca tive”, dizia em “Nat King Cole and Me”, um musical de vida curta). Agora, pode dizer-se que a desdramatiza. E mesmo se na capa tem nas mãos o disco que marcou o regresso de Cole ao mundo do jazz, procura o inverso: mostrar como Cole o transcendeu. Termina com ‘The Christmas Song’.

The Christmas Album, Vol. 2 (Deutsche Grammophon, 2017)
Corelli, Manfredini, Torelli e Locatelli. Ainda a Pasta Primavera não havia sido inventada e já Filarmónica de Berlim servia pratos destes. Foi em 1970, num “Christmas Concertos” agora reeditado. E se hoje ninguém abusaria assim da talha dourada, também poucos na sua posição tiveram tanto conhecimento de causa acerca do esplendor do barroco quanto Karajan.

Bach: Sacred Works (Archiv, 2017)
Reedição da antologia que em 2000 reuniu estas gravações de meados do século passado. Expandida em termos audiovisuais, possui uma integral das Paixões e um “Oratório de Natal” inédito. Organista na mesma igreja em que Bach trabalhou, Richter elevou esta música a um patamar de monumentalidade inconcebível. Quem veio a seguir não o perdoou.

“Veni Domine” (Deutsche Grammophon, 2017)
Diz Palombella que esta gravação é uma forma de “espalhar a boa nova” e que o seu alcance permite “chegar às periferias”. Não sabendo se Palestrina e Victoria aprovariam a chamada de atenção à Igreja, vale-lhe mais o material anterior à Contrarreforma – o de Perotinus, Dufay ou Desprez. Aí, sim, fica próximo das “periferias existenciais” de que falou o Papa.

Beethoven: 9 Symphonies (Deutsche Grammophon, 2017)
Quando pela primeira vez viram a luz do dia, em 1980, não se pode dizer que tenham gerado consenso. Afinal, sabia-se da estonteante série de LP com estas obras que havia gravado para a CBS ao longo da década de 60 com a Filarmónica de Nova Iorque e esperava-se novo jogo do gato e do rato com Karajan, que vinha de lançar mais um ciclo sinfónico de Beethoven com a Filarmónica de Berlim. Mas, na verdade, estes registos (captados ao vivo entre 1977 e 1979) falam da necessidade de Bernstein fazer as pazes consigo mesmo. Aliás, o maestro norte-americano referiu-se ao momento em que, para si, em Viena, com esta orquestra, uma força poderosíssima e potencialmente devastadora encontrava lugar no mundo – até então, a música de Beethoven tinha sido uma entidade indomesticável, “como um satélite à deriva pelo cosmos”, disse. Por isso, talvez seja mais correto falar-se no momento em que Beethoven fazia as pazes consigo mesmo. Como Bernstein escreveu em “O Mundo da Música”: essa entidade “escrita no Céu” a que Beethoven deu corpo “foi-lhe meramente ditada”. Como num diálogo socrático, sugeria que “o sentimento que nos transmite é o de que há algo no mundo em que podemos confiar e que nunca nos vai desiludir”. Quando o seu interlocutor imaginário comenta que se está a aproximar de uma “definição de Deus”, Bernstein responde: “É o que pretendia.” Confirmou-o anos mais tarde, com esta integral.

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