14 de abril de 2018

“Prokofiev for Two” (Deutsche Grammophon, 2018)

A 30 de junho de 2013, num post de Facebook que refletia uma disposição orgânica em falar muitas línguas, Sergei Babayan anunciava uma estreia mundial: “Amanhã! Martha Argerich Project, Lugano. Dueto: Prokofiev – Romeu & Julieta, Suíte do ballet em 10 andamentos para 2 pianos (transcrição S. Babayan). Streaming: Radiotelevisione svizzera.” Como é hábito, tratou-se de uma edição do festival repleta de vedetas: Argerich teve a seu lado Mischa Maisky, Gabriela Montero, Lilya Zilberstein, Andrey Baranov, os irmãos Capuçon e Argulis e, por intermédio de Babayan, os Capuletos e os Montéquios – como se costuma dizer, mais galácticos a controlar o próprio ego só no balneário do Santiago Bernabéu. Mas, por algum motivo, a atuação da anfitriã com o convidado arménio não se viu incluída em “Martha Argerich & Friends: Live from Lugano 2013”, o triplo CD lançado em maio do ano seguinte. Descuido que, entretanto, terá permitido rever, alargar e testar o projeto, pois não só Babayan acrescentou à suíte outras duas peças extraídas a “Romeu e Julieta” como a complementou com mais transcrições suas para dois pianos a partir da obra de Prokofiev para o palco e grande ecrã (achados com origem em “Hamlet”, “Eugene Onegin”, “A Rainha de Espadas”, “Valsas de Pushkin” e “Guerra e Paz”) – programa que logo dedicou a Argerich e que têm apresentado conjuntamente em apoteóticos recitais. 

Não é para menos. Dir-se-ia que há muito não surgia uma gravação capaz de conciliar tão bem as linhas de força que o compositor identificava na sua obra: o clássico, o moderno, o motor, o lírico, o grotesco. Nessa medida, Babayan esteve praticamente mediúnico. Pois, basta comparar o que aqui se escuta com a versão para piano de “Romeu e Julieta” que Prokofiev apresentou em 1937 para se perceber, ao certo, a que soaria uma transcrição do ballet que, mais que a censura, tivesse sido capaz de iludir a autocensura. Ou seja, Babayan e Argerich não perdem tempo a pensar na Verona medieval: isto é pura Moscovo da Grande Purga, com Prokofiev a ter de prestar muita atenção aos editoriais do “Pravda”, a recear o toque do telefone à noite, a perceber, aos poucos, o inferno em que se foi meter. Esta tragédia é a dele.

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