25 de julho de 2009

"Black Rio 2"

Se é verdade que a vida são dois dias, narram-se agora os efeitos que no segundo tiveram as acções do primeiro. Isto é, a consequência na central MPB da suburbana versão-soul de União Black, Miguel de Deus, Copa 7, Toni Tornado ou Banda Black Rio. Mas se esses, reunidos por DJ Cliffy em 2002, tinham uma relação factual com esta história, o mesmo não se poderá dizer dos por ora reunidos. O que, por mais paradoxal que pareça, e independentemente de ter disso consciência ou não, só valoriza os instintos do inglês. Porque melhor reflecte o Brasil dos anos 70 e o ecletismo genético do movimento. E se tudo nasceu na rádio, bailes e colectâneas promovidas por Big Boy, Ademir Lemos e Mr. Funky Santos ou através da acção de Equipes de Som como Furacão 2000, Cashbox e a Soul Grand Prix de Dom Filó, não haverá mais definitiva prova quanto à absorção pela cultura popular brasileira da música negra norte-americana que a inclusão de Stylistics, Marvin Gaye, Stevie Wonder ou Jackson 5 na banda-sonora de telenovelas como “Ossos do Barão”, “O Bem-Amado” ou “Selva de Pedra”. Aqui, nota máxima para a enxuta ‘Coluna do Meio’ (Zeca do Trombone e Roberto Sax, 1976), a caprichosamente rossiniana (de Diana Ross) ‘Faz Tanto Tempo’ (Renata Lu, 1971), a síncope de Donato em ‘Bananeira’ (Emílio Santiago, 1975), o ebâneo suingue de ‘Supermarket’ (Pete Dunaway, 1974), o samba em fanicos de ‘Bobeira’ (Edson Frederico, 1975) e a ébria cuíca no proto-rap de ‘Poema Rítmico do Malandro’ (Zito Righi com Sonia Santos, 1969). Continua a faltar: Tim Maia. E, no mundo dos inéditos em CD, ficam os pedidos para o terceiro volume: António Adolfo, Eduardo Araújo e Silvinha, Celeste, Devaneios, Don Beto, Cláudia, Paulo Diniz, Erlon Chaves ou Waltel Branco.

18 de julho de 2009

"Sénégal 70: Musical Effervescence"

O subtítulo fala de efervescência. Mas podia bem ter recuperado o termo – négritude – que melhor distingue o essencial da acção cultural senegalesa na década de 70. Porque o ideal de Léopold Senghor – eleito Presidente em 1960 – alastrou-se por todas as artes até, na música, encontrar plena concretização. Isto é, à exploração pelas bandas de Dakar da fertilidade rítmica afro-cubana, da virtude plástica do jazz ou da força expressiva da chanson, acrescentaram-se elementos tradicionais prontos a explodir nas pistas de dança. O que, numa versão mais flexível das authenticité zairense ou guineense, conduziu a uma renovação estética sem constrangimentos geográficos num período de exaltação independentista. Trata-se, por isso, de seguir as assimilações das pioneiras Star Band de Dakar, Star Number One (partindo da rumba rumo ao folclore wolof) ou Orchestra Baobab (entre o cha cha cha e o funk derivado de James Brown, que tocou em Dakar em 1975), e, sobretudo, valorizar a libertária acção de Xalam, Diarama de Saint-Louis ou Watto Siita, o mandingo beat de Guelawar ou o electrizante mbalax da Étoile de Dakar. A selecção – que inclui uma mão cheia de inéditos em CD – é do produtor Ibrahima Sylla, agora empenhado em recuperar memórias que ele próprio ajudou a enterrar.

11 de julho de 2009

Verão

Sir Richard Bishop "The Freak of Araby"
Richard Bishop faz surf no YouTube. Através de Oum Kalthoum descobre as canções de Mohammed Abdel Wahab ou, em filmes libaneses dos anos 70, encontra a guitarra de Omar Khorshid. Evoca um clássico Club Med dos anos 60 (“Solenzara”), acelera o tunisino “Sidi Mansour” e celebra Fairuz. Veloz como Dick Dale numa onda de caramelo. Acaba a encantar dunas.

Lura "Eclipse"
Ao sexto álbum, Lura aproxima-se da fonte. E, em parte como consequência da sua acção, descobre-a transformada. Mas chega de sodade. Porque, numa sizígia estética, alinha com gosto canções de Orlando Pantera, B. Leza, Toy Vieira ou Mário Lúcio e, nas mornas, inclina-se formalmente para Teofilo Chantre. O resto é o som de certas esplanadas lisboetas.

Yemanjazz
Uma Big Band à deriva apela à Rainha do Mar. E, como resposta às preces, a mestiça barca chega à terra prometida. Na travessia socorre-se do Coltrane de “Africa/Brass”, do Hermeto de “Zabumbê-bum-á”, do Don Cherry de “Eternal Rhythm” ou do Fela Kuti de “No Agreement”, temperando exaltação epopeica com a elegância e coerência narrativa de Lins ou Gil.

"Mali 70: Electric Mali"
Na segunda década de independência, subsidiada pelo regime de Moussa Traoré, a música do Mali está em chamas. E à ideia de se partir rumo à identidade perdida sobrepõe-se o desejo de modernização. Electrificam-se tribos, chega-se ao funk dogon, ao r&b mandingo, ao afrobeat cósmico e implodem os mais crus, incendiários e expansivos sons da África Ocidental.

"Panama! 2 – 1967-77"
De istmo a canal, elevou-se o ordenamento do território a verdade social. E só quando as relações humanas ganharam fundo nesta roda-dos-ventos estética – cumbia colombiana, mento jamaicano, son cubano ou plena porto-riquenha temperados pelos vapores de Nova Orleães – se preparou terreno para a emancipação. Orgulho na pista de dança com ouvidos no El Bairro.

4 de julho de 2009

Super Rail Band "Belle Époque 3: Dioba"

Em “In Griot Time”, a crónica sobre os sete meses passados com Djelimady Tounkara no Mali, Banning Eyre atribui a Ali Farka Touré uma espantosa afirmação: “podemos ensinar-lhes [a John Lee Hooker e demais bluesmen] melodias africanas durante dez anos sem repetir uma única nota”. Ignorando a fátua soberba do guitarrista de Niafunké, a frase firma África – por tratar das origens do Mundo – enquanto inesgotável reservatório de invenção musical mas também como um diverso território infinitamente ignorado. E talvez seja importante dizê-lo. Porque hoje, a ávida redescoberta da sua mais singular música popular nem sempre traduz as circunstâncias da sua criação nem, muito menos, lhe permite reconhecer a categórica complexidade com que sempre se impôs. Por isso, em boa hora chega o terceiro volume da série dedicada àqueles que, em causa própria, promulgaram uma estética de lasso sincretismo apontado a uma cosmopolita pista de dança (o bar do hotel da estação ferroviária de Bamako), capaz de assimilar afrobeat, rumba, soul, jazz, tango, highlife ou bolero na tradição mandinga e nas narrativas dos griôs. 18 canções gravadas entre 1973 e 1983, e mais de 120 devorantes e indomáveis minutos de Tounkara, Salif Keita, Mory Kanté ou Tidiani Koné a comprovar a asserção de Touré.