10 de dezembro de 2016

Mark Dresser Seven “Sedimental You” (Clean Feed, 2016)


Um tempo houve em que Mark Dresser dava mostras de criar contínuas variações sobre a mesma piada: tem álbuns a que chamou “Banquet”, “Marinade” ou “Nourishments” e temas a que deu o nome de ‘Digestivo’ ou ‘Aperitivo’. De certa forma, na aceção do termo em culinária, não estava a fazer mais do que a levar muito à letra o seu apelido (em inglês, dresser pode servir para indicar o responsável pela disposição dos alimentos em pratos e travessas antes de serem servidos, por exemplo). Semelhante impulso tê-lo-á levado a compor para “O Gabinete do Doutor Caligari”, o clássico alemão do cinema mudo. E, efetivamente, quando esse seu CD saiu pela Knitting Factory, em 1994, era comum lerem-se referências aos cenários do filme (fachadas de edifícios que se pressupunham abaladas por um sismo; oblíquas vielas, travessas e vãos de escada parecidas com as xilogravuras de Escher; todo o tipo de ilusões de relevo e perspetiva, etc.) para realçar o que de comum possuíam com a escrita de Dresser. Agora, dir-se-ia atingido um desfecho particularmente catártico para tamanho formalismo. ‘Hobby Lobby Horse’ é uma resposta à cadeia de lojas que se recusou a pôr em prática a Lei de Proteção e Cuidado do Paciente, dita ‘Obamacare’; ‘TrumpinPutinStoopin’ é uma espécie de contradança com dois destinatários óbvios; ‘Will Well’ é dedicada ao trombonista Roswell Rudd, diagnosticado com cancro da próstata; ‘Newtown Char’ foi inspirada pelo tiroteio na escola primária de Sandy Hook e pelo massacre na igreja Episcopal Metodista Africana de Charleston, etc. E, tal como o título do disco – que emenda sentimento para sedimento –, também a linha da frente (flauta, clarinete, violino e trombone) destes septetos se parece formar a partir de uma vaga memória daquilo que o jazz um dia foi. Só que até isso, como o Gregor Samsa de “A Metamorfose” (a par de Caligari, outro nome mítico do expressionismo), como que a “despertar de sonhos intranquilos” apenas para descobrir o pesadelo em que a realidade se tornou.

Sem comentários:

Enviar um comentário