26 de agosto de 2017

Lisa Mezzacappa “avantNOIR” (Clean Feed, 2017)


Ainda este verão, na bienal organizada pela International Society of Bassists, em Ithaca, no estado de Nova Iorque, liderou um curso prático em “Música Visual”, como lhe chama – isto é, o princípio de estruturar improvisações ou estimular processos composicionais através da interação com a imagem. Recorrendo ao cânone, Lisa Mezzacappa podia ter mostrado “Fim-de-Semana no Ascensor”, de Louis Malle, explicando aos cursistas que a sugestiva banda sonora do filme foi criada exatamente assim – com Miles Davis a assistir a uma exibição privada da fita e a levar Barney Wilen, René Urtreger, Kenny Clarke e Pierre Michelot para estúdio sem um único tema escrito. E podia ter posto a tocar este seu irrepreensível “avantNOIR”, editado meses antes e com inspiração em romances policiais de Dashiell Hammett (de “Colheita Sangrenta” e “O Falcão de Malta” a “A Chave de Vidro”) e Paul Auster (o das histórias reunidas em “A Trilogia de Nova Iorque”).

Como a própria admite, o disco nasceu da sua “vontade em mergulhar nestas obras”, que invade ocultamente, torna suas e, depois, do quinteto que a acompanha: Aaron Bennett (saxofone), John Finkbeiner (guitarra elétrica), Jordan Glenn (bateria), William Winant (vibrafone) e Tim Perkis (eletrónica). “Procurei pistas para a forma em como poderia combinar as coisas”, prossegue, em notas de apresentação, “aproveitando certas deixas na linguagem, na descrição dos locais, em nomes, nos conteúdos de uma carteira, nas rotas de fuga de um carro pelas ruas de uma cidade.” Mas o contexto narrativo é praticamente irrelevante, pois, ao melhor estilo do film noir, o que interessa é a maneira em que os seus protagonistas se subtraem das circunstâncias. Nessa perspetiva dá-se aqui um diálogo paralelo entre música (jazz, algures entre o Chico Hamilton de “Mentira Maldita” e o John Zorn de “Spillane”) e som (alarmes, sirenes, campainhas) que torna a experiência auditiva acusmática, a realidade derrapando para os subterrâneos, para as sombras, para os sonhos.

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