29 de setembro de 2017

Afonso X: Cantigas de Santa Maria (re. Alia Vox, 2017)


Pedia com instância, em testamento, Afonso X, o Sábio: “Que todos os livros de cantares de louvor a Santa Maria permaneçam na mesma igreja onde o nosso corpo for sepultado”. Não foi bem assim, como se sabe. Nem se pode considerar que a posteridade da sua singularíssima coleção tenha sido assegurada. Ainda hoje, aliás, não tem muito por onde escolher, quem ande à cata de uma gravação representativa das Cantigas, esgotados que estão os títulos que lhes consagraram Schola Cantorum Basiliensis (por sinal, o primeiro contacto fonográfico de Montserrat Figueras com o repertório), Alla Francesca, Micrologus, Esther Lamandier, Obsidienne, Sequentia, Ensemble Gilles Binchois ou Clemencic Consort. Por isso, em boa hora se vê reeditado por Jordi Savall este emblemático registo, captado em 1993, na Colegiada de Cardona (com a acústica da sua nave central, de quase vinte metros, a exigir crédito na ficha técnica), e pouco depois lançado na Astrée.

Com Figueras (e Mercedes Hernández, por exemplo) na voz e com instrumentistas como Pedro Memelsdorff (Mala Punica), Robert Crawford Young (Ferrara Ensemble), Andrew Lawrence-King (Harp Consort), Alfredo Bernardini (Zefiro), Guido Morini (Accordone) e Markus Tapio (Daedelus), trata-se de um período em estado de graça para a Capella Reial de Catalunya e para o Hespèrion XX, em que as práticas musicais mais especulativas se iam tornando realidade, tomo a tomo, e em que o universalismo de Savall se mostrava francamente flexível e de modo algum contrariado pelos vestígios de provincianismo que nas suas escolhas se detetavam. Até porque, ao jeito de Afonso X, o maestro catalão parece saber que o moralismo não implica forçosamente a homogeneização de diferentes constituintes regionais. Disso mesmo testemunho, esta sua visão do culto mariano alfonsino, que vai do aulido paralitúrgico e dos ais devocionais à algazarra épica, fez, e faz, história.

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