19 de maio de 2018

Benoît Delbecq 4 “Spots on Stripes” (Clean Feed, 2018)

Há pianistas que pensam num instrumento melódico ao improvisar – num saxofone, por exemplo. E a ideia que fica é que têm um imenso horror ao vazio – que leram Aristóteles e Rabelais e Galileu Galilei. Uma frase que logo vem à memória é a de Tommy Flanagan: “[Depois de um solo] Fico sempre com a impressão que deixei muito espaço em branco – um espaço que poderia ter ocupado de outra maneira”, disse ele um dia a Whitney Balliett. Mas claro que o crítico da revista “The New Yorker” sabia que, no jazz, em termos geracionais, os músicos do bebop viam o silêncio como uma fraqueza. Pelo menos até ao momento em que se conseguiu apreciar inteiramente a figura de Thelonious Monk, que tocava já como um modernista quando à sua volta se parecia ter ainda a cabeça no barroco. Há uma dúzia de anos, Benoît Delbecq falava assim acerca de Monk numa entrevista concedida a Ethan Iverson, então pianista nos Bad Plus: “A conceção musical de Monk era praticamente africana, não só em termos melódicos mas também em termos harmónicos e rítmicos! Os seus acordes estão sempre a levar-nos para outras paragens.” 

Trata-se de um impulso nómada que se reconhece igualmente naquilo que Delbecq faz. Neste “Spots on Stripes”, para melhor o apreciar, basta passar os ouvidos por ‘Disparition du Si’ (a solo) ou ‘Dawn Sounds’ (em quarteto), um par de temas em que o seu piano evoca um conjunto de idiofones da áfrica oriental e um gamelão indonésio, música a que curiosamente foi dar por intermédio de Ligeti e de Cage – na mesma conversa com Iverson, o francês explicava como transformava o “espectro tonal do piano através de lascas de madeira e bocados de borracha das mais variadas origens” que recolhia em viagem. “Como num folclore imaginário”, dizia. Mas, aqui, na verdade, este elemento exótico é algo acessório: o quarteto anda às voltas com peças polirrítmicas (como um dervixe com muitas pernas), enfatiza oníricos ostinatos (a lembrar Coltrane), entrega-se a melodias cubistas (que nunca se viram para o lado que se espera), mas jamais se permite ferir pela história – vive no espaço em branco da imaginação.

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