16 de junho de 2018

Jorge Ben “Jorge Ben” (Elemental, re. 2018)

Em outubro de 1968, no primeiro “Divino, Maravilhoso”, um programa da TV Tupi que dava plenos poderes ao grupo tropicalista e em que Jorge Ben participou, Caetano Veloso canta ‘Saudosismo’: “Eu, você, depois/ Quarta-feira de cinzas no país/ E as notas dissonantes/ Se integraram ao som dos imbecis.” Passados dois meses é preso. O tema é estreado em disco no primeiro álbum a solo de Gal Costa, tinha já Caetano (e Gilberto Gil) saído da prisão. Sem ironia, foi solto a 19 de fevereiro de 1969, numa quarta-feira de cinzas. Em julho parte para o exílio e o seu povo ri e chora como sabe e pode, ao som de três canções em tudo comunicantes e em tudo resistentes à autocomiseração: ‘Atrás do Trio Elétrico’, do próprio Caetano (“Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu/ Quem já botou pra rachar aprendeu/ Que é do outro lado do lado de lá, do lado que é lá do lado de lá”), ‘Aquele Abraço’, de Gilberto Gil (“O Rio de Janeiro continua lindo/ O Rio de Janeiro continua sendo/ O Rio de Janeiro, fevereiro e março/ Alô, alô, Realengo, aquele abraço/ Alô torcida do Flamengo, aquele abraço”) e ‘País Tropical’, de Ben (‘Moro num país tropical/ Abençoado por Deus/ E bonito por natureza/ Em fevereiro tem carnaval/ Tenho um fusca e um violão/ Sou flamengo e tenho uma nega chamada Tereza”). 

No entanto, na altura, com a censura, com a suspensão do habeas corpus, com o Congresso fechado, com a ilegalização das reuniões políticas, enfim, com a total coação dos direitos adquiridos pelos cidadãos, só Ben, que ficou no Brasil, passou por alienado – pior, houve quem o tomasse por colaboracionista. De facto, nunca se prestou muita atenção ao que ele dizia. Mesmo se em ‘Take it Easy My Brother Charles’ declama: “Depois que o primeiro homem/ Maravilhosamente pisou na lua/ Eu me senti com direitos, com princípios/ E dignidade/ De me libertar”. É assim: haverá sempre quem olhe para a ilustração de Albery na capa deste álbum e veja primeiro Barbarella antes de reparar que as correntes de ferro que prendem as manilhas aos pulsos do cantor estão já quebradas. Pois, aqui, solta-se Ben e liberta-se o seu país.

Sem comentários:

Enviar um comentário