17 de outubro de 2020

Zazou Bikaye "Mr. Manager" (Crammed, re. 2020)

Cruzei-me com Bony Bikaye no final dos anos 90, no Zénith, em Paris, durante um concerto de Papa Wemba, e a conversa foi inevitavelmente parar a Hector Zazou: “Recordo esses tempos com muita ternura”, dizia-me o congolês. “Em Bruxelas, sentíamo-nos no centro dos acontecimentos. E tudo parecia possível. Mas discutíamos imenso, as pessoas não fazem ideia!” Ria-se, e justificava-se: “Íamos em direções opostas: eu, para a Europa; ele, para África!” Claro que a imprensa tinha percebido tudo ao contrário – Bikaye podia ser fluente em francês e lingala, ter na ponta da língua os provérbios com que a espécie adotou o bipedismo, mas convinha que não fosse instruído em muito mais. “Era difícil livrar-me do estigma de que havia ficado instantaneamente contemporâneo graças ao meu encontro com o Hector, quando, na verdade, também eu, então, o via como uma extensão de mim mesmo,” lembrava, com reticência. Tinham-se conhecido em 1983, perfilhado a binariedade no singularíssimo “Noir et Blanc” (com Guillaume Loizillon e Claude Micheli) e até a designação que escolheram o dava a entender: Zazou Bikaye, como um apelido composto. “O nosso grande feito foi o ‘Mr. Manager’[1985]”, admitia Bikaye. “Limámos as arestas mais provincianas um do outro, aplicámos uma espécie de verniz mundano ao que fazíamos e, de repente, por mais atuais que quiséssemos parecer, tínhamos em mãos um objeto não identificado em que não se dava, já, pelo Hector Zazou ou pelo Bony Bikaye, apesar de continuar palpável em Zazou Bikaye o que eles representavam individualmente, percebe?” Comparando a exemplares mestiçagens do período – o homónimo dos Touré Kunda; “Gorée”, dos Xalam; “Synchro System”, de King Sunny Adé; “À Paris”, de Mory Kanté, “Medecine”, de Ray Lema; “Electric Africa”, de Manu Dibango –, o seu maior atrevimento foi o de confirmar que a ‘música do mundo’ não tinha de estar ancorada num tempo e espaço específicos, que bastava ligá-la à corrente, e, como comprova a presente edição, com nove faiscantes temas adicionais, esperar pelo momento em que fizesse curto-circuito. E, no Zénith, quando nos despedimos, ao apertar a mão de Bikaye senti um choque!

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