25 de janeiro de 2014

Ahmad Jamal “Saturday Morning” (Jazz Village, 2013)



Por vezes, e não raramente quando se presume inequívoca, a crítica musical possui efeitos consuetudinários. No caso de Ahmad Jamal, porventura por só a muito custo se formar uma ideia exata acerca de sessenta anos de gravações, é frequente formularem-se as coisas em termos excecionais, salvaguardando-se o carácter único do seu percurso, sublinhando-se as distinções no seu estilo, propondo-se cada um dos seus álbuns como um irredutível sermonário. Ora, além de se provar errada, esta história do pianista alheio a modas e indiferente a categorias – que não as por si iniciadas – tem algo daquele provérbio do relógio parado que fica certo duas vezes ao dia. E dissimula a obediência a uma outra doutrina ainda mais perniciosa: a que defende que, no jazz, a contemporaneidade implica sempre algum tipo de compromisso. Ou seja, neste domínio, a crescente familiaridade com os objetos à disposição em determinada altura supõe-se perversamente subordinada a uma aspiração ao anonimato em tudo contrária à mitologia do género. Mas não terá sido apenas para fornecer matéria-prima futura a De La Soul, DJ Premier, Pete Rock ou Madlib que um dia Jamal tocou ‘Wave’, de Jobim, ‘Ghetto Child’,dos Spinners, ‘Trouble Man’, de Marvin Gaye ou ‘Black Cow’, dos Steely Dan. Na realidade, essas e tantas outras ilustres páginas de música popular que chegaram ao seu piano serviram um propósito especificamente ambíguo: revelar um inegável talento em tornar eloquente qualquer passagem melódica e simultaneamente moderar a expressividade harmónica nas suas inventivas interpretações. “Saturday Morning” – com o mesmo grupo de “Blue Moon” – é nessa medida exemplar, sedado até aparentar ser inerte, exploratório até parecer instintivo.

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