11 de fevereiro de 2017

Rachmaninov; Prokofiev: Cello Sonatas (Warner, 2016)


Mais do que glamour, quando Nina Kotova abandonou as passerelles levou para os palcos do Wigmore Hall, Carnegie Hall, Concertgebouw ou Town Hall aquela máscara de impassibilidade com que a haviam disfarçado em desfiles de moda. Um artigo de 2000 no “The Telegraph”, por exemplo, concluía que, para “comunicar musicalmente”, ela teria de perder a “pele de manequim”. Isto, porque se lhe apontava uma certa relutância em dirigir para o exterior a sua atenção e as suas emoções. “Até em termos físicos se contém”, escrevia o repórter. Era um período em que, como veio mais tarde a revelar, não se podia “abrir com ninguém, nem tampouco mostrar o que [lhe] ia na alma russa”. Foi penalizante, tanta coibição. Criticando um concerto seu, uma colaboradora do “The Independent” socorria-se do livro de Eclesiastes para determinar que, nela, “tudo é vaidade”: “[Kotova tocou] De olhos postos na pauta, lendo mais do que interpretando, sem rasgos de imaginação, tecnicamente exata, artisticamente morta.” 

Vinte anos depois, não se pode afirmar que traga ao de cima o mais moralista em todos quanto consigo se cruzam. Quiçá porque, com o passar do tempo, lendo entrevistas em que confessava ter crescido “fechada entre quatro paredes, ensaiando, estudando no conservatório e tocando em recitais”, se percebia que, na transição do palco para as passerelles, e vice-versa, tinha trocado uma prisão por outra. Do mesmo modo, quando declarava ao “New York Post” que “voltar à música é como regressar a um lar”, entendia-se que falava menos de residências do que de sentimentos. E quando jurava à professora e pianista Frances Wilson que seguia a máxima com que Tolstói situava a ação num presente absoluto, parecia querer dizer o inverso: que o passado vive sempre connosco, que se pode mudar de casa sem mudar de condição, que há caminhos que nunca têm fim. É no que se pensa ao escutar-se este par de sonatas para violoncelo e piano de dois conterrâneos seus, cada qual, à sua maneira, a tentar fugir ao cárcere: Rachmaninoff, em 1900, das garras da depressão; Prokofiev, em 1949, dos efeitos da zhdanovshchina. Kotova pode desperdiçar mais uma oportunidade de se reinventar e manter estampada no rosto alguma inescrutabilidade eslava. Já não importa. Pela primeira vez em disco, ao ouvi-la, sabe-se de onde vem.

Sem comentários:

Enviar um comentário