15 de julho de 2017

Franck/Chausson: Sonate/Concert (Harmonia Mundi, 2017)


Há qualquer coisa de evanescente no piano Érard, de Melnikov, que logo às primeiras notas da “Sonata para Piano e Violino em Lá maior”, de César Franck, aponta no sentido daquela reconfiguração cultural que acompanhava o fin de siècle e que via em cada mudança significativa na sociedade um abalo sísmico de proporções catastróficas a que tentava a todo o custo resistir por via da introversão. Como a época que a viu nascer, é um capricho, cheia de manias e apontamentos místicos, em partes iguais leda e lânguida, indecisa e definitiva, não inteiramente imune a ilusões de grandeza e capaz de deixar no ar o aroma da alienação, se não do pessimismo – como uma madalena acabada de sair do forno, diria Proust. Paroxística, foi, conforme se sabe, um presente de casamento para Eugène Ysaÿe. E é verdade que há quem a tivesse tocado como na antecâmara de uma noite de núpcias (saltam à memória os nomes de Kyung-Wha Chung e Radu Lupu, numa gravação lançada em 1980 pela Decca). 

Não é de todo o que se passa agora, claro, com Faust a optar por um tom mais vítreo, algo impessoal e impenetrável, ou melhor, imparcial, quando comparado à suave vulnerabilidade que emana das teclas. Trata-se de uma impressão que logo se dissipa, no entanto, quando no Allegro e no Recitativo o violino se aproxima dos valores do remorso e do sacrifício que, de modo quase absurdo, o triunfalismo do Allegro final tenta esquecer. São, mais uma vez, características daquele tempo de transição de que provém igualmente o invulgar “Concerto para Piano, Violino e Quarteto de Cordas em Ré maior”, Op. 21, de Ernest Chausson, também ele dedicado a Ysaÿe. As ligações entre os compositores são bastamente conhecidas – até as respetivas mortes foram um tanto coincidentes – e não seria agora que se divorciariam as duas obras daquela espécie de verão de São Martinho comum aos dois, embora aqui o cenário fique definitivamente assombrado pelo fatalismo de Wagner – os fantasmas de Tristão e Isolda com direito a uma última dança.

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