7 de abril de 2018

Mozart: Piano Concertos 25 & 27 (Warner, 2018)

Regressa Anderszewski ao relativo aconchego destes concertos (trata-se da sua terceira incursão no terreno), que, como de costume, dirige a partir do piano como um vicário de Mozart. Claro que prestando atenção ao que faz durante os momentos menos solenes de um e outro, porventura por tão bem identificar sinais cruzados, conto-do-vigário é igualmente uma expressão que vem à cabeça: “Entendo os concertos para piano de Mozart como se tratasse de música de câmara”, diz. “O piano, a orquestra e os instrumentos individuais envolvem-se uns com os outros, dialogando continuamente. Ao mesmo tempo, são como óperas ocultas: os temas e os motivos interagem, desenvolvendo as suas narrativas, cada qual com a sua própria voz e carácter distinto. Mozart é, por excelência, o compositor da ambiguidade – em que o mais luminoso surge entrelaçado com a escuridão. Onde fica a luz, onde fica a sombra? Às vezes, não sei. E, no entanto, é uma música tão cristalina. É um milagre.” 

Dir-se-ia o fio condutor da sua interpretação, capaz de colocar sucessivamente em contraste os mais variados estados de espírito sem comprometer a estrutura de cada andamento, ora conferindo importância à introspeção, ora isentando-se de toda e qualquer responsabilidade perante esta música, que não aquela que terá que ver com a força elástica pela qual os corpos retomam o seu estado natural quando livres. Sinceramente está numa categoria à parte, e dizer que se situa, algures, entre Perahia e Gilels parece demasiado restritivo (ou não restritivo o suficiente, se pensarmos bem), não obstante dar mostras de ter herdado o mais caprichoso do primeiro (que, por vezes, fazia esta música atravessar as fronteiras estilísticas do período que a viu nascer) e o mais poético do segundo (que se dedicou ao mundo interior de Mozart como Herbert Nitsch ao mergulho em apneia). Na verdade, Anderszewski traz à memória o que disse uma vez ao “El País”, quando explicava por que motivo se tinha mudado para Lisboa: “É que aí encontras gente que aceita o fatalismo com a maior das naturalidades.” Uma cidade com luz e sombra, como Mozart.

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