14 de abril de 2018

Saz’iso “At Least Wave Your Handkerchief at Me: The Joys and Sorrows of Southern Albanian Song” (Glitterbeat, 2017)

Demorou uns meses a cá chegar, vindo, ali, pelo Estreito de Otranto, onde o Adriático e o Jónico insistem em dar-se a conhecer um ao outro. Como escreveu Predrag Matvejevic, “o Atlântico e o Pacífico são mares de distância, o Mediterrâneo é um mar de vizinhança, o Adriático é um mar de intimidade”. Poderia igualmente ter dito isolamento, o que talvez revelasse mais acerca do carácter das suas gentes. Aliás, até à morte de Enver Hoxha, ao falar-se da Albânia, recorria-se com frequência ao substantivo (“A ver se me entendem: os muros da nossa fortaleza são feitos a partir de inabalável pedra granítica”). Talvez Joe Boyd, o aposentado produtor inglês, pensasse nessa frase do antigo chefe de governo da ex-República Popular Socialista à medida que ia assistindo, maravilhado, a atuações de trupes regionais durante a última edição do Festival Nacional de Folclore, em maio de 2015, na cidadela de Gjirokastra, embora nos seus apontamentos tenha, antes, transcrito um excerto de “Crónica da Cidade de Pedra”, de Ismail Kadaré: “O viajante que aí chega é imediatamente impelido a comparar o que vê com alguma coisa, mas cedo percebe que se trata de uma tarefa impossível. A cidade resiste a qualquer comparação.” 

Boyd publicou um artigo sobre a visita na revista “Songlines” (“As Minhas Aventuras Albanesas”) em que marcava diligentemente todas as casas no teste de aferição do Complexo de Messias – e entende-se que recorra a citações para disfarçar a sua própria dificuldade em descrever o que sentia. Mas – e agora sou eu que o estou a fazer – podia ter lembrado Evliya Çelebi, que, no século XVII, visitou Gjirokastra e a apelidou de “cidade das lamentações”: “As famílias reúnem-se ao domingo e pagam a jeremias profissionais que se queixam sofridamente, que se lastimam e fazem lamúrias. E é impressionante como choram com tanto sentimento mortos com os quais nem sequer são aparentados.” Dir-se-ia uma forma de compreender parte do que aqui se passa, com Boyd a reunir Adrianna Thanou, Donika Peçollari, Telando Feto ou Agron Murat para ele mesmo regressar à vida – ele e, claro, todos nós.

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