15 de abril de 2017

Beethoven: Sonatas & Variations For Cello & Piano (Erato, 2016)


Mantém-se perfeitamente contemporâneo, Beethoven. O que justifica que, pelos escaparates, e de maneira a transmitir novas formas de pensar, de interpretar ou escutar esta música, se acumulem as mais peculiares visões da sua obra. Inclusivamente daquela a que não se entregou de modo tão enfático, como no caso das cinco “Sonatas para Violoncelo e Piano” e de um trio de delírios em que recorreu à mesma instrumentação: “Variações Sobre o Tema ‘Bei Männern, welche Liebe fühlen’ de ‘A Flauta Mágica’, de Mozart”, WoO 46 (em que, porventura por comungar dos seus anseios, Beethoven quase corta a respiração a Papageno), “Variações Sobre o Tema ‘Ein Mädchen oder Weibchen’ de ‘A Flauta Mágica’, de Mozart”, Op. 66 (no seu género, quiçá a mais substantiva deste período inicial, numa altura em que não lhe passava pela cabeça que o futuro lhe reservava contacto direto com o libretista de Mozart, Emanuel Schikaneder) e “Variações Sobre o Tema ‘See, the Conqu’ring Hero Comes’ de ‘Judas Maccabaeus’, de Handel”, WoO 45 (talvez aquela em que mais cedo se deteta a sua aptidão em iludir qualquer restrição temática). Também as duas primeiras sonatas – Op. 5/1 e Op. 5/2, estreadas em 1796 – provêm desse tempo em que, parafraseando Kant, autor com que possuía algo em comum, Beethoven desejava sair de uma tutelagem que se impôs a si próprio. A de Haydn, com o qual estudou e cujas sinfonias terá usado como modelo (isto, claro, por não existirem propriamente precedentes para esta combinação de instrumentos), embora, gradualmente, de compasso a compasso, se pense, de novo, no filósofo, quando dizia: “Sapere aude! Tem a coragem de usar a tua própria razão”. 

Em 1820, num dos seus famosos ‘cadernos de conversação’, Beethoven faria uma referência direta a Kant, ao apontar “o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim”. A sua produção tornar-se-ia tão complexa que um crítico chegaria a caracterizá-la como “chinesa” (e Nietzsche viria a apelidar Kant de “o chinesinho de Königsberg”). Ouvindo as sonatas do Op. 102 – a quarta aproxima-se das suas sonatas para piano desta fase e a quinta, na qual se pressente o seu crescente fascínio pelo barroco, só tem equivalente nos seus derradeiros quartetos de cordas – é já a esse Beethoven que se acede: abstruso mas dominante, distante mas jamais indiferente, reservado mas nunca egoísta, preso dentro de si e, no entanto, para sempre, livre. Capuçon e Braley mordem os calcanhares ao cânone (Rostropovich/Richter, Fournier/Gulda, du Pré/Barenboim).

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