29 de abril de 2017

Tomasz Stanko New York Quartet “December Avenue” (ECM, 2017)


Sempre literato (depois de referências nos seus discos a obras de Joyce, de Lautréamont e da poetisa Wislawa Szymborska, com a qual chegou a colaborar), Tomasz Stanko evoca agora Bruno Schulz, o malogrado autor de “As Lojas de Canela”, executado em 1942 num ajuste de contas entre oficiais nazis. É a confirmação de um pendor erudito na sua produção, que, à primeira vista, se diria de todo ausente do seu credo artístico, de tal maneira a sua música parece dominada pelo instinto que leva um evadido a apagar os vestígios que deixa pelos sítios por onde vai passando. Em “A Rua dos Crocodilos”, há, aliás, um parágrafo de Schulz que se diria descrever algo do que aqui se deteta: “A maior fatalidade deste bairro é que nele nada se realiza, nada chega a ser definitivo: todos os movimentos iniciados se suspendem no ar, todos os gestos se esgotam prematuramente sem ultrapassar o ponto de inércia. Todo ele não é senão a fermentação de desejos despertados precocemente, e por isso exânimes e vazios. […] Em nenhum outro lugar pressentimos tantas possibilidades quanto aqui, ficamos tão perto da consumação. Mas não se vai para além disso.”

Também este “December Avenue”, no qual as melodias se espalham com o sopro do vento, é mais sugestivo que persuasivo, enigmático, esboçado, insinuante, indeciso, reduzido à citação. E também ele dá mostras de querer substituir a ação pela apatia, a definição pela indeterminação. Nada que Stanko não tenha promovido no registo anterior deste seu quarteto nova-iorquino (o deslumbrante “Wislawa”, face ao qual se mantêm David Virelles, no piano, e Gerald Cleaver, à bateria, enquanto Thomas Morgan se vê rendido por Reuben Rogers, no contrabaixo, o que, apesar de tudo, permite que o novo disco adquira outro fundamento) ou, há muito tempo atrás, ensaiado no quinteto de Krzysztof Komeda. Descrevendo um mapa urbano que ganhava ares de maquete, Schulz referiu-se a sólidos e prismas que “num romântico e sombrio chiaroscuro dramatizavam e orquestravam a complexa polifonia arquitetural” da cidade. É o que Stanko faz ao jazz, de cuja memória se vai aproximando pela via do sentimento em vez da ciência, no seu tom magoado e anabásico, como num ato de contrição.

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