3 de junho de 2017

Henricus Isaac Nell Tempo Di Lorenzo De’ Medici & Maximilian I, 1450-1519 (Alia Vox, 2017)


Não se sabe bem onde começa nem acaba, esta antologia. Aponta 1450 como possível data de nascimento de Isaac, mas anuncia-se através de ‘Palle, palle’, elemento heráldico e grito de guerra dos Médici, mecenas do compositor a partir de 1485. Talvez seja um comentário ao relativo esquecimento em que nos últimos anos caiu a sua obra quando comparada à de Desprez, Obrecht ou de la Rue – ou, melhor, à forma em como o entendimento daquilo que produziu parece depender exclusivamente da biografia dos grandes protetores das artes do Renascimento. Daí, a subordinação titular às figuras de Lourenço, o Magnífico, e de Maximiliano I, seus patronos. Seja como for, prolonga-se até 1519, no papel, tornando-se extensiva à coroação de Carlos I de Espanha como Imperador, bem como aos ecos daquela “trombeta da verdade”, nas precipitadas palavras de Erasmo de Roterdão, que se pressentia nas teses de Lutero. Como é óbvio, o efeito é perverso. Aliás, as duas últimas peças no CD são contrafacta protestantes: “O Welt, ich muss dich lassen” (a partir de “Innsbruck, ich muss dich lassen” e publicada num hinário luterano de meados do século XVI) e “Christus, filius Dei” (a partir de “Virgo prudentíssima”, omitindo a referência mariana, e divulgada em Nuremberga por volta de 1538). Isto, porque Isaac tinha falecido em 1517, meses antes da Reforma. Não obstante, Jordi Savall dá mostras de querer honrar um facto indesmentível: não fosse a relação de Isaac com a Casa de Habsburgo, o que o transformou numa espécie de símbolo avuncular para sucessivas gerações de instrumentistas, cantores e compositores no Sacro Império Romano-Germânico, e é perfeitamente possível que não se tivesse tornado naquela exceção à regra identificada por Peter Phillips (dos Tallis Scholars) num texto a assinalar o quingentésimo aniversário da sua morte: a do compositor renascentista cuja reputação não se apagou com a extinção da era que o viu nascer. Escute-se aqui “Quis dabit capiti meo aquam”, “Angeli, archangeli” ou “Optime divino”, em inspiradas orquestrações de Savall, e ter-se-á a medida exata dessa transcendência.

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