17 de junho de 2017

Rebelo: Psalmi, Magnificat & Lamentationes (Etcetera, re. 2017)


O efeito já não surpreende tanto, é certo. Mas, quando, mais ou menos a meio desta reedição, alternadamente no “Magnificat” e de modo francamente exuberante em “Qui Habitat”, tal a superabundância de trechos melismáticos, os solistas do Currende parecem acometidos de um operático ataque de soluços, torna-se, por fim, claro que a obra de João Lourenço Rebelo (1610-1665) fala de fronteiras: morais, emocionais, sociais, políticas, estéticas. Claro que Erik van Nevel dá uma ajudinha: ao contrário, por exemplo, do que, com o mesmíssimo repertório, havia feito o seu tio, Paul, com o Huelgas Ensemble, em meados dos anos 80, o maestro belga deixa baixões, cornetas, sacabuxas e charamelas no saco e atribui as partes instrumentais obrigadas ao cravo, a trombones, aos violinos e às violas da gamba. Isto é, estimula com a proteína do barroco um conjunto de corpos que se diriam, ainda, anestesiados pela ação contrarreformista – pelo menos, tendo em conta a produção de Duarte Lobo, Filipe de Magalhães ou Manuel Cardoso, mestres da polifonia sacra portuguesa do Renascimento, contemporâneos de Rebelo. 

Só que, de facto, com ele, tudo dá mostras de ter sido excecional, a começar pela educação no Paço de Bragança, em Vila Viçosa, passando pela exposição à famosa biblioteca musical do ducado, a maior da Europa, e pela relação de amizade com João, o Restaurador, que lhe dedica o tratado “Defesa da Música Moderna…” quando o inverso seria a norma, e culminando, enfim, nestas expressivas criações que apontam mais para Monteverdi do que para Palestrina. Em “Olhares Sobre a História da Música em Portugal” há uma frase de Rui Vieira Nery que sintetiza um dos motivos para tamanho brio, quando, ao referir-se aos Braganças, sugere que “manter uma Capela Ducal de nível equivalente ao da Capela Real [madrilena] era um símbolo externo indispensável ao reconhecimento público da sua dignidade régia e da legitimidade última das suas pretensões de sucessão”. A partir de 1640, com a subida ao trono de D. João, renasce a autoestima do país e retoma-se uma certa prática humanista: e é a isto que soava.

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