A certo ponto, num livro que
reproduz entrevistas ao compositor, conduzidas por Bálint András Varga, quando
se aflora o tema da interpretação da sua obra (e de como, nesse domínio, é
complicado encontrar gente à altura dos acontecimentos), György Kurtág não se isenta de responsabilidades: “Nunca
consigo ouvir as minhas próprias ideias com clareza... Ninguém consegue... Não
há nada a fazer”, declara, embora, pelas reticências, e tendo em conta a música
que escreve, se deva dizer, antes, declama. No fundo, referia-se àquele período
em que, dominado pela ansiedade e pela depressão, até o seu pensamento se diria
suspenso. Aliás, quando em 1959 compôs o seu primeiro quarteto de cordas e se
sentiu a dar à luz o seu opúsculo inicial, transferiu o mérito para a
terapeuta, Marianne Stein, passando a integrar o leque de compositores com
descobertas importantes saídas do divã: o Rachmaninoff do segundo concerto para
piano, o Charles Mingus de “The Black Saint and the Sinner Lady”, o John
Lennon da estreia a solo, etc.
É, então, significativo que, agora, num depoimento
incluído no livreto desta edição, venha dizer: “Há peças acerca das quais
sempre tive dúvidas, mas, graças a Reinbert, [ouço-as] como em tempos esperei
que pudessem vir a soar.” Nesse particular, não se trata bem daquilo que o
título sugere: além de coral (com ponto alto no dilacerante ciclo de canções de
desespero e pesar criado a partir de poesia russa – Blok, Mandelstam,
Tsvetayeva ou Akhmatova –, que não soviética, o que é muitíssimo revelador), escuta-se
música de câmara (como a fascinante “Grabstein für Stephan”, dedicada ao marido
de Marianne, ou a irredutível “… quasi una fantasia…”), concertante (o impactante
“Duplo Concerto”) e vocal (a expressiva “Mensagens da defunta menina R.
Troussova” ou os lutuosos “Quatro Poemas de Anna Akhmatova”). Tudo naquela
linguagem algo gnómica e fragmentada, mas nem por isso menos essencial, como que
à beira do último suspiro, a que, aos 91 anos, Kurtág teima em resistir.