30 de dezembro de 2011

Melhores do Ano

"Brand New Wayo: Funk, Fast Times & Nigerian Boogie Badness 1979-1983" (Comb & Razor Sound)
"The Koka Koka Sex Battalion" Vijana Jazz Band (Sterns)
"Bambara Mystic Soul: The Raw Sound Of Burkina Faso 1974-1979" (Analog Africa)
"Nigeria 70: Sweet Times" (Strut)
"The Karindula Sessions: Tradi-Modern Sounds from Southeast Congo" (Crammed)
"Orlando Julius and the Afro Sounders" Orlando Julius (Voodoo Funk)
"Songs of Happiness, Poison & Ululation 1973-1975" Western Jazz Band (Sterns)
"Afrolatin: Via Kinshasa" (Syllart/Discograph)
"Omara Y Chucho" Omara Portuondo & Chucho Valdês (World Village)
"Agadez" Bombino (Cumbancha)

RIP: Bert Jansch, Billy Bang, Billy Blanco, Bob Brookmeyer, Cesária Évora, Charles Louvin, Christy Essien-Igbokwe, Conrad Schnitzler, Eugene McDaniels, Fonce Mizell, Frank Foster, Gil Scott-Heron, Gordon Beck, Graham Collier, Joe Arroyo, Lula Côrtes, Michael Garrick, Paul Motian, Pete Rugolo, Ray Bryant, Russ Garcia, Sam Rivers e Walter Norris.

23 de dezembro de 2011

"Bambara Mystic Soul: The Raw Sound of Burkina Faso 1974-1979" (Analog Africa, 2011)

Embora, por natureza, concorrencial e antológico, o cumulativo esforço editorial aplicado aos mais inusitados terrenos da música popular africana das décadas de 60 e 70 por agentes ao serviço da Soundway, Sterns, Strut ou Vampisoul tem tanto de restituição quanto de recomposição. Esse equilíbrio entre ambição arquivista, espírito científico, intuição e fantasia é personificado por Samy Ben Redjeb (coleccionador, DJ e proprietário da Analog Africa) nas suas particularíssimas notas de apresentação a este décimo* título do seu selo quando traça o relato cronológico do seu encontro, quase sempre casual, com cada tema coligido. E se mais do que uma vez no passado aludiu à noção de forças criativas em trânsito para retratar o tráfico de influências na origem de alguns dos mais singulares cadinhos culturais do continente, nunca como no caso do Burkina Faso se provou tão crucial a expressão. Porque – pegando no que em 2009 largou a Savannahphone de “Ouaga Affair: Hard Won Sound of the Upper Volta 1974-1978” – a produção do antigo Alto Volta aqui reunida acompanha num país relativamente fechado ao exterior a quilometragem acumulada por arautos da liberdade nos vizinhos Mali, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim e Níger (com Nigéria, Guiné e Senegal ao virar da esquina). E, de facto, o que no regresso a casa gravaram Amadou Ballaké, Abdoulaye Cissé, Super Volta, Afro-Soul System ou Mamo Lagbema representa a aplicação desse cosmopolita impulso num espaço de dramática vulnerabilidade, que, no acto de os traduzir, praticamente decompõe cada um dos princípios importados até aos seus mais elementares constituintes para logo os reedificar numa celebrativa acção de independência e soberba artística que, surpreendentemente, e ao fim de tantos anos, torna patente um novo olhar sobre afrobeat, jerk, rumba ou música mandinga.

* Nota: a editora apresenta esta compilação como o seu décimo lançamento [presume-se então que não inclua na lista as reedições limitadas dos primeiros álbuns de Rob e Orchestre Poly-Rythmo que efectuou este ano]

17 de dezembro de 2011

Fatoumata Diawara “Fatou” (World Circuit, 2011)

Quando em 1991 a Sterns lançou “The Wassoulou Sound: Women of Mali”, reunindo cantoras como Sali Sidibé, Kagbé Sidibé, Djeneba Diakité ou Coumba Sidibé, documentava uma tradição que nada tinha em comum com a linhagem dos cantores de louvor (Kanté, Kouyaté, Diabaté, etc) que começava então, pelo menos na Europa, a confundir-se com a ‘verdade musical’ maliana. Pelo contrário, reagindo à corrupção do regime militar, à crise económica e a um conjunto específico de desigualdades sistémicas, as cantoras wassoulou de finais da década de 80 – nomeadamente, Oumou Sangaré – nada tinham a louvar e, ao contrário das castas jeli, dedicavam-se à música por opção, lançando para discussão na comunidade assuntos tabu (poligamia, casamentos combinados, prazer sexual, etc). Vinte anos depois, com algumas das grandes wassoulonke já desaparecidas, parece ser em Fatoumata Diawara que por agora se personifica esse desafiante espírito. E, vinda de colaborações importantes ao lado de, precisamente, Sangaré (sua mentora), Dee Dee Bridgewater (no álbum “Red Earth”), Herbie Hancock (no “Imagine Project”) ou Orchestre Poly-Rythmo de Cotonou, poder-se-á no mínimo dizer que foi devidamente preparada para o papel. E porque o Mali é ainda um dos países mais pobres do mundo, com uma esperança média de vida a rondar os 50 anos, um dos maiores índices de mortalidade infantil do continente e, fundamentalmente, segundo a Organização Mundial de Saúde, com 90% da sua população feminina vítima de algum tipo de mutilação genital, é imperativo que se renovem as linhas de força de um discurso matriarcal. Diawara – que mais convincente soa quanto menos acompanhada está – fá-lo pela via da subtileza, numa elegância formal que lembra Rokia Traoré ou India.Arie, e em que a esperança, mais que um acto de consciência, é um gesto de poesia.

10 de dezembro de 2011

Sugestões de Natal

“Afrolatin Via Conakry” (Syllart, 2011)
Concentrando aqueles que, na costa ocidental africana, melhor personificaram o afã fantasista de estabelecer uma efectiva ponte com as Caraíbas – Bembeya Jazz, Balla et ses Balladins, Orchestre de la Paillote ou Keletegui et ses Tambourinis – esta retrospectiva pela música guineense de meados da década de 60 ouve-se como um diáfano canto da diáspora que, paradoxalmente, contraria qualquer regionalismo.

Diego el Cigala “Cigala & Tango” (Deutsche Grammophon, 2011)
Vencedora do Grammy Latino para “Melhor Álbum de Tango”, a incursão de Cigala na canção de Buenos Aires, gravada ao vivo na capital argentina e com convidados como Néstor Marconi ou Pablo Agri, surge tão austera quão inesperadamente flexível (além de Gardel, inclui Weill e Yupanqui nos créditos) e estabelece, mais uma vez, a voz do espanhol como um inabalável paradigma interpretativo.

Buika “En Mi Piel” (Warner, 2011)
A retrospectiva dupla abre com os temas mais recentes de Concha Buika – gravados para o último filme de Almodóvar – mas logo recupera aquelas vinhetas transatlânticas que, desde 2005, ensaiou a maiorquina em “Buika”, “Mi niña Lola” ou “Niña de fuego”. Há um inédito, dois temas ao vivo e colaborações dispersas mas tudo se concentra numa voz que resiste a qualquer manipulação.

“Congotronics” (Crammed, 2011)
Limitada a 1000 unidades numeradas, esta caixa reúne em cinco LP [com conteúdos digitais áudio e vídeo incluídos numa pen] os extravagantes resgates desde 2005 realizados por Vincent Kenis a uma arruinada Kinshasa. Do enlevo rítmico de Konono Nº1 e Kasai Allstars ao clamor de Staff Benda Bilili, o que aqui se colige resultou numa das mais extáticas ressurreições culturais da década.

Oi! A Nova Música Brasileira (Mais Um Discos, 2011)
Abre com uma marcha-calipso da Mini Box Lunar e logo se percebe que a premissa central à nova música brasileira é a que assenta na descodificação de tipologias associadas às músicas populares de todo o mundo. Prevalece em muitas destas 40 bandas um clima brega-chique recuperado dos anos 80 mas Tulipa Ruiz, Mombojó, Alessandra Leão, M. Takara ou Os Ritmistas devem já a todos e a ninguém.

3 de dezembro de 2011

Joni Haastrup “Wake Up Your Mind” (Tummy Touch/Soundway, 2011)

Nem parece que demorou uma década a construir-se: pois, inesperadamente, o tautológico discurso de recepção às mais fulgurantes reedições de música popular africana ganhou uma anacrónica contracção. De súbito, o anelo pelo regresso daquele de que não se conhece manifestação menor que essencial é depreciado pelo silogismo crítico que, regra geral, atribui maior importância ao rock do que ao funk. Assim, a simultânea recuperação de uma acção colectiva – com os MonoMono de “Give the Beggar a Chance”, lançado em 71, e de “The Dawn of Awareness”, original de 74 – desenvolvida na dependência do psicadelismo tem sido pela imprensa de todo o mundo valorizada face a este solitário ensaio em nome próprio, em 78 colocado na antecâmara do disco sound nigeriano que a compilação “Brand New Wayo” recentemente retratou. Quando, na verdade, a exemplar produção de Joni Haastrup – para muitos, pela Strut revelada em 2001 com a inclusão de ‘Greetings’ em “Nigeria 70” – só ganhou em definitivo asas ao, precisamente, e independentemente das consequências dessa filiação surpreenderem a cada nova exumação, libertar-se da bagagem acumulada nos outros três fundamentais grupos em que militou: os Modern Aces, de Orlando Julius, a segunda encarnação dos Airforce, de Ginger Baker, e os Blo. Porque aqui, um ano após o FESTAC ’77 (o Festival Mundial de Arte e Cultura Negras que juntou, em Lagos, nomes tão diversos quanto OK Jazz, Sun Ra, Gilberto Gil, Stevie Wonder ou Orchestre Poly-Rythmo), pronunciou finalmente a declaração de pan-africanismo a que sempre aspirou, sem prejuízo para subtileza orquestral, clareza de ideias, retórica materialista e capacidade de síntese, e, numa aversão a programáticas leituras, invertendo tipologicamente a questão formulada pelos Funkadelic em “One Nation Under a Groove”: “who says a funk band can't play rock?!”.