Embora, por natureza, concorrencial e antológico, o cumulativo esforço editorial aplicado aos mais inusitados terrenos da música popular africana das décadas de 60 e 70 por agentes ao serviço da Soundway, Sterns, Strut ou Vampisoul tem tanto de restituição quanto de recomposição. Esse equilíbrio entre ambição arquivista, espírito científico, intuição e fantasia é personificado por Samy Ben Redjeb (coleccionador, DJ e proprietário da Analog Africa) nas suas particularíssimas notas de apresentação a este décimo* título do seu selo quando traça o relato cronológico do seu encontro, quase sempre casual, com cada tema coligido. E se mais do que uma vez no passado aludiu à noção de forças criativas em trânsito para retratar o tráfico de influências na origem de alguns dos mais singulares cadinhos culturais do continente, nunca como no caso do Burkina Faso se provou tão crucial a expressão. Porque – pegando no que em 2009 largou a Savannahphone de “Ouaga Affair: Hard Won Sound of the Upper Volta 1974-1978” – a produção do antigo Alto Volta aqui reunida acompanha num país relativamente fechado ao exterior a quilometragem acumulada por arautos da liberdade nos vizinhos Mali, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim e Níger (com Nigéria, Guiné e Senegal ao virar da esquina). E, de facto, o que no regresso a casa gravaram Amadou Ballaké, Abdoulaye Cissé, Super Volta, Afro-Soul System ou Mamo Lagbema representa a aplicação desse cosmopolita impulso num espaço de dramática vulnerabilidade, que, no acto de os traduzir, praticamente decompõe cada um dos princípios importados até aos seus mais elementares constituintes para logo os reedificar numa celebrativa acção de independência e soberba artística que, surpreendentemente, e ao fim de tantos anos, torna patente um novo olhar sobre afrobeat, jerk, rumba ou música mandinga.
* Nota: a editora apresenta esta compilação como o seu décimo lançamento [presume-se então que não inclua na lista as reedições limitadas dos primeiros álbuns de Rob e Orchestre Poly-Rythmo que efectuou este ano]
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