31 de dezembro de 2009

Melhores do Ano

“Très Très Fort” Staff Benda Bilili (Crammed)
“Floodplain” Kronos Quartet (Nonesuch)
“Francophonic Vol. 2 (1980-1988) Franco & Le Tpok Jazz (2cd + Livro Sterns)
“Entre Amigos” Dolores Duran (Biscoito Fino)
“Volume Two: Echos Hypnotiques 1969-1979” Orchestre Poly-Rythmo De Cotonou (Analog Africa)
“Black Rio 2” (Strut)
“Legends of Benin” (Analog Africa)
“Tudo Ben (Jorge Ben Covered)” (Mr. Bongo)
“Atahualpa Yupanqui – Obra Completa Para Guitarra (Composiciones Propias)” Carlos Martinez (3cd Acqua)
“The World Is Shaking: Cubanismo From The Congo 1954-1955” (Honest Jon’s)

A partir de gravações privadas de 1958 tudo chegou e partiu entre murmúrios de João Gilberto. O material de arquivo tornou a revelar-se dramaticamente vital. Fora de competição: Agustí Fernández “Un Llamp Que No S’Acaba Mai”, Akira Sakata “Friendly Pants”, Evan Parker Electro-Acoustic Ensemble “The Moment’s Energy”, Flower-Corsano Duo “The Four Aims”, Ken Vandermak, Barry Guy & Mark Sanders “Fox Fire”, Okkyung Lee, Peter Evans & Steve Beresford “Check For Monsters”, Polwechsel & John Tilbury “Field”, Ran Blake “Driftwoods”, Wadada Leo Smith & Jack DeJohnette “America” e WHO Trio “Less is More”. No renascimento da Horo: Sam Rivers “Black Africa! Live in Villalago 1976”. No da Nessa: Charles Tyler “Saga of the Outlaws”. Ao vivo: Omar Souleyman, Group Doueh e Peter Evans. Melhor manifesto recuperado: “Fight the Future”.

24 de dezembro de 2009

Anouar Brahem “The Astounding Eyes Of Rita”

Como o original refrigério do mar experimentado a meio do tempo quente e seco ou a descoberta inaugural dos aromas amargo e doce das frutas de Verão, o íntimo afecto que com a música de Anouar Brahem desponta nem sempre resiste à repetição. Por isso dificilmente se voltará ao instante em que, no encontro com “Barzakh” e “Conte de l’Incroyable Amour”, ouvi-la era como nos olhos ter a dançar o revérbero do Mediterrâneo ou nos pés marcada a sua fímbria salgada. E também a sua discografia subsequente se afastou de tão vagas impressões. Até este momento. Porque no subúrbio dos poemas de Mahmoud Darwish – a que se dedica o álbum – ganha novamente razões para se deixar ir com a brisa para longe do destino dos homens. E, como uma balada de exílio em tudo fiel à do autor palestino há um ano falecido, trata nos seus espaços menos discursivos de olhar para lá da poeira dos sentidos e encontrar um mundo que, infelizmente, foi o paraíso. Seguem a par da obra poética estas canções para oud, clarinete, baixo e percussão como um sinuoso rio que às margens reclama terra e sangue para não se perder no oceano. Até tudo ficar branco.

19 de dezembro de 2009

Franco & le TPOK Jazz “Francophonic Vol. 2 (1980-1988)”

Kinshasa chamava-se então Léopoldville. E, após anos de terror, a capital do Congo Belga adaptava-se a um tecido urbano que pressupunha progresso civilizacional mas que se reduzia à inclusão no seu traçado do ‘bairro indígena’. Aí, sintonizava-se uma estação de rádio e ouviam-se canções do Sexteto Habanero ou da Orquesta Aragón, enquanto dezenas de músicos mantinham o decoro colonial pelas charangas de restaurantes europeus. Imagine-se o bairro Tremé, em Nova Orleães, se na cidade se tivesse mantido a escravatura e o jugo espanhol e um dia, com o jazz, soasse de uma corneta a liberdade, e ter-se-á ideia do que significou em 1953 a entrada em estúdio de um jovem de 15 anos que viria a cantar como ninguém a independência do seu país. A ascensão de Franco a inultrapassável potência criativa do continente africano comprova-se pelas mais de 1000 canções gravadas pela sua banda até 1980, período do qual se extraiu o primeiro volume de “Francophonic”. Agora, nesta antologia de 150 orgíacos minutos, torna-se coerente uma fase mais complexa e de maior dispersão, assombrada pela corrupção resultante da proximidade de Mobutu, pelo exílio e pela doença, mas que os 40 músicos da TPOK Jazz reconduziam a um redentor manifesto contra o medo do mundo. Um dos acontecimentos do ano.

12 de dezembro de 2009

Sugestões de Natal

Arnaldo Antunes “Iê Iê Iê”
No ano do lançamento em DVD de “Na Onda do Iê Iê Iê” e da publicação da autobiografia de Erasmo Carlos, só Arnaldo Antunes para pôr a saudade a dançar. Sublimando Roberto Carlos, Golden Boys ou Fevers (por cá havia Sheiks, Tártaros ou Chinchilas), abrilhanta penteados, encurta minissaias e lustra turbinas naquilo que nunca fez antes: canções de época.
Luz Casal “La Pasión”
Pomposos sopros insuflam orquestras cubanas em canções de René Touzet e Osvaldo Farrés, move-se a congas o metrónomo mexicano segundo María Grever e Rosario Sansores Prén, demolham-se ‘Historia de un Amor’ e ‘Cenizas’ e uma vaga de violinos encharca boleros de Porto Rico, Chile, Brasil e Argentina. Canta-se bem mas quem alegra é o maestro, Eumir Deodato.
Adriana Partimpim “Partimpim Dois”
Livros e discos infantis são uma espécie de nova beneficência. Tanto aliviam consciências quanto salvam carreiras. Adriana Calcanhotto toma comprimidos para o enjoo de “Maré” e dá dois passos atrás. Mantêm-se referências e cúmplices, adiciona-se o Dylan cristão renascido, mistura-se uma meninice de Vinicius e batuca-se João Gilberto. Não faz mal a uma mosca.
Seu Jorge “América Brasil, O CD Ao Vivo”
A gravação é de Janeiro e traz apenas um inédito. Mas nada diminui o impacto de milhares de vozes a cantar ‘É Isso Aí’, ‘Carolina’, ‘Tive Razão’ ou ‘São Gonça’. Apela aos mais básicos instintos do mercado mas ninguém combina desta maneira heranças de Jorge Ben, Bezerra da Silva e Emílio Santiago. Há ainda na banda uma endiabrada rabeca a lembrar Jorge Mautner.
“Elas Cantam Roberto Carlos”
Não há Natal sem Roberto Carlos. E é natural que a festa arranque mais cedo neste ano em que se celebram os seus 50 anos de carreira. “Elas…” regista o concerto de 26 de Maio em que se engalanaram vozes e vestidos. No alvo: Alcione, Marina Lima, Adriana Calcanhotto e Nana Caymmi. O ‘Rei’ apareceu para a inevitável ‘Emoções’ mas não precisou de ir ao duche.
Don Cherry & Latif Khan “Music / Sangam”
Nunca terá a sua acção dependido do calendário, mas não virá a despropósito evocar agora quem sempre celebrou valores ecuménicos. Nesta sessão de 1978 (com Khan nas tablas), Cherry cruza melodias guineenses com indianas, canta, toca órgão, harmónio ou flauta de bambu, e, à semelhança de Jon Hassell, recorda parte daquilo que Miles desistiu de sonhar.

5 de dezembro de 2009

Orchestra Baobab “La Belle Époque”

Em noites brandas sonhava-se com o futuro. A música apaziguava espíritos, abrigava amantes, abraçava ideologias e aproximava-se de muitos sítios sem ao certo pertencer a lugar nenhum. Ao balcão discutia-se política e fechavam-se negócios, ministros recebiam no restaurante dignitários ocidentais e, pelos cantos da discoteca, conspiravam emissários de potências estrangeiras. Em palco suspendia-se o tempo: a banda da casa fixava-o no par de décadas em que a rádio nacional rodava discos do Sexteto Habanero, Orquesta Aragón ou Arsenio Rodríguez. Ocasionalmente, a pedido de representantes do governo de Léopold Senghor, e para que ninguém se pensasse num barco rumo a Cuba, o doce embalo tropical incluía melodias tradicionais wolof e a toada folclórica derivava para repertório mandinga ou baladas crioulas de Casamança, próximas das que cantava a Cobiana Djazz na Guiné-Bissau. Assim foi no Club Baobab, em Dakar, da inauguração em 1970 até ao fecho de portas em 1979. A sua orquestra, com instrumentistas de diferentes etnias e origens (Togo, Mali e Nigéria), encarnou na perfeição a tese cultural pretendida para o Senegal e – a par da Bembeya Jazz na Guiné ou a OK Jazz no Congo – simbolizou a recondução da diáspora a solo natal. Sabe-se que a sua melhor fase em disco é de final de setenta a inícios de oitenta, que caiu vítima da fórmula que criou, mas que anos depois renasceu. Esta retrospectiva ganha importância pelas limitações do mercado: os temas do primeiro CD são retirados de dois álbuns de 1972, em parte por reeditar (alguns foram incluídos pela Oriki em “A Night At Club Baobab”); dez canções do segundo, gravadas em 1978 em Paris, viram a luz do dia em 1992 numa edição já esgotada (“On Verra Ça”, World Circuit). Esta é mais uma fresta do que uma porta escancarada, mas o que se vê nunca se esquece.