Quando em 1991 a Sterns lançou “The Wassoulou Sound: Women of Mali”, reunindo cantoras como Sali Sidibé, Kagbé Sidibé, Djeneba Diakité ou Coumba Sidibé, documentava uma tradição que nada tinha em comum com a linhagem dos cantores de louvor (Kanté, Kouyaté, Diabaté, etc) que começava então, pelo menos na Europa, a confundir-se com a ‘verdade musical’ maliana. Pelo contrário, reagindo à corrupção do regime militar, à crise económica e a um conjunto específico de desigualdades sistémicas, as cantoras wassoulou de finais da década de 80 – nomeadamente, Oumou Sangaré – nada tinham a louvar e, ao contrário das castas jeli, dedicavam-se à música por opção, lançando para discussão na comunidade assuntos tabu (poligamia, casamentos combinados, prazer sexual, etc). Vinte anos depois, com algumas das grandes wassoulonke já desaparecidas, parece ser em Fatoumata Diawara que por agora se personifica esse desafiante espírito. E, vinda de colaborações importantes ao lado de, precisamente, Sangaré (sua mentora), Dee Dee Bridgewater (no álbum “Red Earth”), Herbie Hancock (no “Imagine Project”) ou Orchestre Poly-Rythmo de Cotonou, poder-se-á no mínimo dizer que foi devidamente preparada para o papel. E porque o Mali é ainda um dos países mais pobres do mundo, com uma esperança média de vida a rondar os 50 anos, um dos maiores índices de mortalidade infantil do continente e, fundamentalmente, segundo a Organização Mundial de Saúde, com 90% da sua população feminina vítima de algum tipo de mutilação genital, é imperativo que se renovem as linhas de força de um discurso matriarcal. Diawara – que mais convincente soa quanto menos acompanhada está – fá-lo pela via da subtileza, numa elegância formal que lembra Rokia Traoré ou India.Arie, e em que a esperança, mais que um acto de consciência, é um gesto de poesia.
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