5 de novembro de 2016

John Lindberg BC3 “Born In an Urban Ruin” (Clean Feed, 2016)


Há uns anos, numa entrevista para a defunta “Tokafi”, perguntaram-lhe o que constituía uma boa atuação. Lindberg, que na altura comemorava o seu quinquagésimo aniversário, respondeu assim: “Será aquela em que, independentemente da troca de estímulos entre si, os intérpretes alcancem um plano unificado de expressão capaz de transcender o pensamento e de transmitir ao público uma experiência visceral. O meu objetivo pessoal, aliás, é sempre esse: chegar a esse ponto que vai além da ideia e que permite atos criativos livres, espontâneos, aptos a tocar o coração dos ouvintes.” Também na sua discografia o tem demonstrado, através de títulos como “Give and Take” (1985), “Quartet Afterstorm” (1994), “A Tree Frog Tonality” (2000), “Winter Birds” (2004) ou “Celestial Weather” (2015), isto, claro, para além do seu trabalho com Anthony Braxton, ainda adolescente, com o String Trio of New York ou, ao longo da última década, com Wadada Leo Smith. Agora, a respeito de resiliência e resistência, de resignação e ressurreição, com Wendell Harrison (clarinetes) e Kevin Norton (vibrafone e percussão), produz um dos seus discos que mais sentimento revela, inspirado pela ética de trabalho da classe operária (em inglês, do trabalhador de colarinho azul, ou blue-collar, daí, presume-se, a designação BC3), por histórias de sobrevivência, pelo apelo da vida comunitária mas também daquela que se leva em comunhão com a natureza, pela reação às forças destrutivas que o rodeiam. Escuta-se, e o que salta à memória é o parágrafo inicial de “O Amante de Lady Chatterley”, de D. H. Lawrence: “A nossa época é essencialmente trágica, por isso recusamo-nos a aceitá-la como tragédia. O cataclismo deu-se, estamos rodeados de ruínas, construímos novos lugares onde viver, enchemo-nos aos poucos de esperanças. Não é nada fácil. Já não há um caminho tranquilo rumo ao futuro: mas contornamos os obstáculos ou passamos-lhe por cima. Por mais que o céu continue a desabar sobre as nossas cabeças, temos de viver.”

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