Falava serena
e pausadamente, sem oscilações na voz mas com uma cadência algo oracular, como
aquelas pessoas que cochicham segredos aos animais para os acalmar ou como um
bom professor habituado à indiferença dos alunos. Não obstante a tendência
esotérica e a capacidade para se deixar invadir por um vernáculo a que nem
sempre se chegava, cada raciocínio seu era elegante, de elementos interligados,
e quando se ria ficava espantado e feliz como uma criança gulosa que descobrisse
um doce na boca. Conversámos pelo telefone por ocasião do Jazz em Agosto de
2015, festival em que viria a apresentar “Great Lakes Suite”, um notável disco
a que dá agora espectacular seguimento. Perguntei-lhe se era normal comentarem
consigo que fala de modo parecido àquele com que toca trompete e ele disse que
sim: “Tem tudo a ver com o contexto rítmico criado. Basta pensar nos discursos
do Dr. King! Aquele fraseado que ele tinha não impedia que se reconhecesse a sinceridade
em tudo o que dizia – muito pelo contrário. Empregar certas palavras num
discurso acarreta uma responsabilidade equivalente à de se recorrer a
determinadas notas numa peça de música e, pelo recurso ao silêncio, o inverso não
é mentira nenhuma. Mas são só veículos para melhor expressarmos o que queremos
realmente dizer.” E Wadada Leo Smith tem tornado abundantemente claro o que tem
a dizer.
Inspirado pelos Parques Nacionais do seu país, “America’s National
Parks” é disso um paradigma. Cá estão as referências diretas ao Parque Nacional
de Yellowstone, ao de Yosemite, ao da Sequoia e ao de King’s Canyon,
e almas impressionáveis apressar-se-ão a comparar os seus jatos de notas ao
géiser Old Faithful, por exemplo, ou a fluência do piano de Anthony Davis a um
arroiar de águas limpas ou a achar uma metáfora na divisória continental para
aquilo que de repente desfaz um unínosso entre o contrabaixo de John Lindberg e
o violoncelo de Ashley Walters ou a remeter para o impacto sonoro de dezenas de
cataratas o que Pheeroan akLaff produz à bateria. E a encontrar nestas extraordinárias
composições algo que se assemelhe a um ecossistema e a concluir que um momento
mais magmático representa um rio de lava e que o lacónico espaço que também possuem
lembra um dramático penhasco. Mas para que isso se prove rigorosa e exclusivamente
verdadeiro têm ainda de imaginar Wadada de chapéu de pelo de mapache, a cruzar desfiladeiros
numa canoa com uma “caneca de latão atada à cintura e uma mão-cheia de chá,
pão e uma cópia de um livro de Emerson” na mochila, como acerca de John Muir
escreveu o ensaísta John Tallmadge. Isto porque a outra metade dos temas do CD não
poderia ter saído da pena de um naturalista. ‘New Orleans’, ‘Eileen Jackson
Southern’ e ‘Mississippi River’ – que não se referem, de todo, a Parques
Nacionais – provam que Smith não está a meditar sobre natureza mas a refletir a
respeito da administração estatal do espaço público e do impacto que essa
gestão tem nos cidadãos. Fazê-lo por intermédio de uma música que “desafia a
tirania da forma” (para citar Inayat Khan, um místico caro a Wadada) é apenas apropriado.
Na chamada, sem saber o reacionário arrepio que o futuro lhe reservava,
concluía: “Acredito que a mudança estética pode antecipar a política!” Esta é outra
contribuição. Não podia chegar em melhor hora.