24 de fevereiro de 2018

Brightbird "Brightbird" (Arjuna, 2017)


Não será indiferente ao truísmo de que metade da poesia do mundo desapareceria se dela se espantassem as aves, este Brightbird – trio composto por João Paulo Esteves da Silva (piano), Samuel Rohrer (bateria) e Mário Franco (contrabaixo) –, conquanto tamanha evidência se aplique a demais artes. A começar pela música. Ainda há quatro anos, em Marrocos, se subordinou o Festival de Fez ao épico “Conferência dos Pássaros”, de Farid ud-Dîn Attâr, e, em palco, de Rokia Traoré a Jordi Savall, não houve quem não quisesse achar correspondência a estes versos seus: “Ergue-te e toca/ essas líquidas notas que roubam o coração aos homens.” De facto, “At liquidas avium voces imitarier ore…”, já dizia Lucrécio, a lembrar o nascimento da música. Claro que, no caso, não se trata de povoar espaços tímbricos ou cromáticos com os seus cantos – embora, por vezes, parte do que aqui se escuta pareça recordar esse tempo em que poesia, partitura e piu-piu eram um só. 

Em comum com a lírica antiga, ainda, mantém-se a exaltação da natureza: estas improvisações livres possuem títulos como ‘Sun’, ‘Winter’, ‘Renewal’, ‘Waves’, ‘So Much Water So Much Green’ ou ‘Bird’, e por vezes não se percebe bem se são os instrumentistas que estão a traduzir o universo à sua volta ou se é o ‘Cosmos’ (outro dos temas do disco) que está a ser convidado a decifrá-los a eles ou a verter-se neles. Seja como for, mantêm-se algo ascéticos: se o que fazem saísse da mente de um místico serviria para acompanhar aquelas linhas em que São João da Cruz falava de um pássaro solitário. Aliás, quem se inspirou em João da Cruz foi Mompou, cujo “Pájaro triste” se diria feito à medida de João Paulo – afinal, num poema, foi o português que escreveu: “A tocar piano/ aprende-se a deixar o paraíso.” Há momentos em que o inverso parece verdadeiro, é certo. Mas a música deste trio, subtil e empática e extraordinariamente reativa, faz-se também da saudade por aquilo que num segundo está e noutro não, tão fugidiço quanto um bater de asas.

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