1 de dezembro de 2018

Sugestões de Natal


Himmelsmusik” [L’Arpeggiata, Céline Scheen, Philippe Jaroussky, Christina Pluhar (d); Erato, 2018]
Em “Orfeo Chamán”, Christina Pluhar, que nunca recuou instintivamente ao toque da alegoria, atribuiu protagonismo a Nahuel Pennisi, um cantor e guitarrista invisual, como referência, quiçá, a quanto o mito de Orfeu – cuja ação transferia para os Andes – dependia de fé cega. Conhecia bem o terreno. Afinal, tinha levado o L’Arpeggiata a gravar folclore latino-americano em “Los Pájaros Perdidos” – ficando registada a alusão a “Os Passos Perdidos”, de Alejo Carpentier, outro que invertia eixos axiológicos. Consigo na viagem, algo desconfortável no papel, seguia o contratenor Philippe Jaroussky, que, na altura, não imaginava a dimensão do anacronismo a que teria de dar voz com “Music for a While”, quando Pluhar sujeitou Purcell ao jazz. Imagina-se o arrepio que provocou o anúncio de “Himmelsmusik”! Mas não há o que recear. Numa total inversão de paradigma, este disco dedicado ao barroco alemão lembra, digamos, o regresso de alguém como Anthony Braxton às suas composições em “Five Pieces” – portanto, àquilo que sabia e devia mesmo fazer – após insatisfatórias incursões no mundo dos standards. Isto, porque Pluhar, que se considera uma improvisadora, tem o bom senso de perceber que há peças que “têm de ser deixadas em paz e reveladas pelo que possuem de mais belo e puro”. Com Scheen e Jaroussky em estado de graça, estas (as de Theile, Schütz ou Ritter), então, nunca saem do firmamento.
 

“Soul of a Nation 2” (Soul Jazz, 2018)
Um dia, Gil Scott-Heron cantou assim: “Entristece-me que os meus filhos não possam ver/ O Natal como costumava ser”. Referia-se ao período abrangido por esta compilação (meados de 70), embora ele e os seus contemporâneos celebrassem antes o Kwanzaa. Malabaristas como Art Ensemble of Chicago, Byron Morris, Gary Bartz ou Pharaohs, que tocavam de punho erguido.


 
Caetano Veloso “Transa” (re. Elemental, 2018)
Certo: o que tem ‘In the Hot Sun of a Christmas Day’ é o LP anterior, também gravado em Londres. Mas foi com “Transa”, ali em 1971-1972, que Caetano passou a “amar o verde dos parques” e “a calma das ruas” da cidade em que vivia exilado. Até ficou bilingue (“I’m alive e vivo”, grita). Algo adiáforo, serve para provar que pássaro na gaiola não canta: lamenta.

 


Bach: Mass in B Minor [Les Arts Florissants, William Christie (d); Harmonia Mundi, 2018]
Entre as mais profundas raízes desta “Missa” destacam-se as que remontam ao Natal de 1724, mais concretamente ao “Sanctus” que Bach, então, compôs. Mas os toques finais, esses, recebeu-os em 1749, num “Et incarnatus est” que parece tudo menos isso, com o compositor a ver a vida a andar para trás. Aos 73 anos, Christie sabe que às vezes não há tempo a perder.


Michel Petrucciani “5 Original Albums” (Decca, 2018)
Agora, que está quase, aí, a estrear “Glass”, é a altura ideal para recordar Petrucciani, cujo corpo teve mais fraturas do que ossos. À custa do seu superpoder tirou Charles Lloyd da reforma, em inícios de 80. Entre os discos que gravou para a Owl, aqui reunidos, o mais belo é “Oracle’s Destiny”, dedicado ao mestre. O primeiro é o que tem ‘Christmas Dreams’.





Dexter Gordon Quartet “Espace Cardin 1977” (Elemental, 2018)
Era desde 1963 “Our Man in Paris”. Mas em 1977 nem todos saberiam que Dexter já tinha ido passar o último Natal a casa. O que explica o complexo de emoções nesta gravação: por um lado, o reencontro com Pierre Michelot e Kenny Clarke; por outro, a despedida da capital francesa. Ou a ressurreição de Al Haig, claro, que bem sabia o que era penar longe de Ítaca.


Beethoven: The Complete String Quartets Vol. 1 (Cuarteto Casals; Harmonia Mundi, 2018)
Goethe descrevia os quartetos como “conversas entre pessoas inteligentes”. Espíritos maldosos diriam que Beethoven os transformou em diálogos de surdos, como o que teve no Natal de 1825 com Karl Holz, ele de “Grande Fuga” debaixo do braço e o violinista a maldizer a técnica em geral. Aqui, a espaços, o Casals é uma quadriga desgovernada. Beethoven aprovaria.



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