2 de abril de 2011

Vitor Ramil “Délibáb” (Satolep, 2011)


Vitor Ramil canta dois poetas a duas vozes. Uma, segura de si, insinuante e incapaz de cortar o ar com um punhal mas certa de o carregar no bolso, dedica a Jorge Luis Borges. Outra, branda, singela e a tender para o infinito apenas por ansiar o regresso a casa, reserva para João da Cunha Vargas. A espelhar-lhe o movimento está a guitarra do argentino Carlos Moscardini, primeiro desenhando cornucópias por entre os desordenados arrabaldes de Buenos Aires e depois estendendo o passo pelos planaltos imensos do Rio Grande do Sul. Mas mais do que discutir literatura – nem este Borges das milongas reunidas em “Para las seis cuerdas” nem o Vargas de “Deixando o Pago”, que preferia declamar a escrever, o desejariam – está aqui a eleger um território comum tornado real pelos feitos dos homens e deixado mítico pelas palavras com que lhes traduzem os sonhos. Talvez por isso – por vaguear entre o verdadeiro e o imaginário – tenha Ramil encontrado no délibáb um pretexto de concentração teórica. É o que escreve na apresentação do disco: “não demorei a achar que a palavra húngara délibáb poderia dar nome a este trabalho. Trata-se de um fenômeno natural que é atração turística. A decisão só aconteceria depois que eu incorporasse uma das paixões borgeanas e partisse para o estudo etimológico. Foi quando descobri que délibáb, cujo significado é miragem, vem de déli (do sul) + báb (de bába: ilusão). Como não ficar maravilhado diante daquela “ilusão do sul”?”. Um sul que esteve sempre presente na sua obra, mas que pelo menos desde “Ramilonga”, de 1997, se tornou num ambicioso programa estético autoral que o distancia, por exemplo, da produção mais regionalista dos seus irmãos Kleiton e Kledir (insuperável desde os LPs dos Almôndegas na década de 70) e que só agora se consumou de forma clara.

[Vitor Ramil apresenta “Délibáb” no Grande Auditório da Culturgest, em Lisboa, na próxima segunda-feira, dia 4 de Abril]

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