26 de março de 2011

Rikki Ililonga & Musi-O-Tunya “Dark Sunrise” (Now-Again, 2010)

Parece feito de estilhaços e aproxima-se de uma ficção sobre o fim dos tempos. E no entanto, embora distorcido, amplificado e conduzido por um demiurgo de costas para o mundo, tudo em si é reconhecível. Tanto sugere visões do apocalipse quanto promete restabelecer o vínculo com uma dependência rítmica que se imagina em par com a vida na terra – é um esboço, elíptico, tortuoso e disfónico, em deriva entre afectos de sempre e inesperados estímulos gerados no momento. Prenuncia uma arquitectura desajustada à escala humana mas fala a língua das ruas. Contém agentes abandonados à fúria de quem do amanhã nada sabe e outros empregues na gestão de um espaço pronto para receber o palco da eternidade. Tudo isto se passa em ‘Calypso Frelimo’, um dos temas de “Get Up With It”, o disco de 1974 com que Miles Davis se despediu da década de setenta. Na mesma altura, na Zâmbia – onde se acompanhava directamente a acção da Frente de Libertação de Moçambique – produzia-se com menos recursos mas com semelhantes materiais, estratégia, disposição e ambição estética, uma obra-prima que, à distância, aparenta espelhar-lhe os gestos num prismático exercício. “Wings of Africa”, o único álbum gravado pela banda que se baptizou no rio Zambeze (Mosi-oa-Tunya, o nome local para as Cataratas Vitória, significa em lozi “o fumo que troveja”), desaba sobre o ouvinte com a força de quem na intersecção do jazz e do rock adivinhou um manancial de energia criativa para abalar uma música imutável. Expande-lhe a proposta, acolhendo Fela Kuti, Osibisa ou Hugh Masekela, mas acerca-se de um território desde então por desbravar. Esta retrospectiva traça-lhe a cronologia e complementa-a com dois registos a solo de Ililonga, um dos seus ideólogos, que lhe reduzem a carga mas não contrariam o impacto daquilo que se ouve como um choque eléctrico.

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