Abre com ‘Wireless’, uma canção em que Ssekinomu descreve o arranque das emissões de rádio em Lampala e que se ouve como uma anedota sem prazo de validade – mas mais do que inclinação humorista adivinha-se-lhe, no tom, sarcasmo e uma malícia injustificável. Num jogo do toca e foge com a voz, uma obsessiva rabeca repete uma melodia e torna-se ritmo até que as palavras o multiplicam, como o equivalente sonoro de um texto cuja letra a meio se amiúda para caber na página*. Em ‘Ogwel’, Oluoch dedica uma endecha a um amigo “levado pelo vento” e recorda outro falecido, Dunde, até concluir, porque está a acabar o tempo da gravação, que não será desta que lhe cantará os feitos. Mais do que mergulhar o ouvinte nas canções, Mark Ainley, o organizador desta antologia de discos de 78 rotações registados entre 1938 e 1957 nos pré-independentistas Quénia e Uganda, coloca-o dentro do estúdio. Concentra assim atenções em méritos artísticos e ilude a apócrifa pretensão de discutir História sob o pretexto de desenterrar música tradicional. Como um pluralista radical, evita generalizações. E outra coisa não poderia fazer ao manobrar num território que frustra a síntese. Aliás, fica a sensação que tudo isto é indomável: há taarab mais rigidamente próximos da música árabe ou indiana mas até a sua submissão ao cânone é sensual; e há menestréis ao acordeão, como J. P. Nyangira, entoando esboroadas valsas e afundando-se em marchas fúnebres com a expressividade vocal de um morto-vivo 40 anos antes de Tom Waits. Noutras paragens, Ochieng encrespa cabelos ao falar de uma jovem ‘mata-calças’, Florence avisa noivas de que o amor começa a doer na noite de núpcias e Were Omito gela corações como o Skip James de ‘Devil Got My Woman’. Tudo ia mal. E não houve bem que o redimisse.
* em itálico está uma metáfora diferente da que utilizei no texto originalmente publicado no Expresso
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