Foi há quase 20 anos que um disco-resgate da Luaka Bop acabou com o exílio de Tom Zé. E, desde então, sempre que se escreve sobre o tropicalista logo se evoca o momento da ressurreição como o que determina a sua obra subsequente. Boubacar, que por intermédio da Sterns também em 92 voltou ao mundo, sabe o que significa ser em vida tido como morto. E se, degredado e à procura da sobrevivência, esteve o brasileiro à beira de se ocupar de uma bomba de gasolina, já o maliano, longe das ondas de rádio que na alvorada da independência do seu país lhe haviam trazido fama, se tornou nas mesmas condições agricultor, feirante e, em Paris, empregado na construção civil. E, contrariamente a Zé – capaz de vociferar sobre o tema no mais desesperado existencialismo e de o transformar em combustível criativo –, Traoré, por ser um homem de fé ou por não estar hoje junto de si quem a seu lado então penou, nunca recuperou da solidão em que viveu. Tal testemunhou o seu regresso, com “Mariama” e “Kar Kar”, e de outra coisa – dessa imensurável tristeza – não falam “Mali Blues”, o capítulo que no livro homónimo lhe consagrou Lieve Joris, e “Je Chanterais Pour Toi”, o documentário a si dedicado por Jacques Sarasin. “Mali Denhou” é o culminar dessa tendência e, mais que “Kongo Magni” (o disco de 2005 de que é esteticamente cúmplice), uma cálida mensagem de paz – vinda de quem um dia teve a mulher a morrer nos braços em consequência de quezílias com parentes, maior prova disso não haverá que ‘M’Badehou’, a canção na qual declara as virtudes da coesão familiar. Ancoradas numa guitarra presa à terra, estas crepusculares meditações ganham contraponto no fluente fraseado da harmónica de Vincent Bucher e, como em tempos fizeram Muddy Waters e Little Walter ou Elmore James e Sonny Boy Williamson, dizem o que da vida vai ficando nas margens de um rio sem destino certo.
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