Mal começou a temporada discográfica surgiram dois artigos – um na Spinner e outro no New York Times – a antecipar-lhe uma tendência de fundo: o interesse de editoras independentes norte-americanas pela produção global. A comprová-lo referia-se a parceria entre a Drag City e a Yaala Yaala e os lançamentos de Sidi Touré na Thrill Jockey, Bassekou Kouyaté na Sub Pop, BLK JKS na Secretly Canadian ou dos Good Ones na Dead Oceans, casa-mãe de Akron/Family, Dirty Projectors ou Califone. Ficava por dizer que vinham quase todos os discos da Europa e, num argumento decisivo para a sustentabilidade da perspectiva, que dificilmente se imaginaria melhor casamento. Aliás, no caso destes ruandeses, sobreviventes do Genocídio, bastava deixar a música falar por si e comparar a sua premissa – e, de forma dramática, a precariedade do seu processo – com aquela originalmente revelada por bastiões destas mesmas editoras como Will Oldham, Lou Barlow, Bill Callahan, Damien Jurado ou Tim Rutili. É que também Adrien Kazigira, Stany Hitimana e Jeanvier Havugimana compõem marginalmente a partir de uma ideologia falida e, literalmente, dos escombros de uma sociedade descarnada. Gravados num alpendre em Kigali – por Ian Brennan, que se encontrava no Ruanda a acompanhar o registo do documentário “Rwanda ‘Mama”, de autoria da sua mulher, a realizadora Marilena Delli –, tocam um par de guitarras enferrujadas e cantam a três esqueléticas vozes sobre amor, redenção, desespero, tristeza ou eternidade como se de tudo isso conhecessem só as ruínas e como se disso apenas dependesse o seu amparo. São pouco mais que o som do pó viajando na noite e, no entanto, parecem levar consigo – numa lírica tão visceralmente directa quão meditativamente pungente – sementes capazes de restaurar a esperança numa terra queimada, como quem reescreve o evangelho.
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