Numa cedência aos mais puros impulsos fantasistas inerentes à teogonia dos deuses da guitarra, a editora promove “Agadez” como a estreia de Omara ‘Bombino’ Moctar, embora admita também que outras gravações a precedem sem que refira aquela que primeiro lhe granjeou reputação no ocidente, “Guitars from Agadez, Vol. 2”. Essa antologia – em 2007 registada in situ por Hisham Mayet para a Sublime Frequencies – oscilava entre cordatas baladas acústicas e violentas torções à estirpe do blues-rock que se associa à música tuaregue, e, à sua luz, este novo álbum entende-se como a maturação de um estilo que atribui agora gravidade às antigas meditações e transforma em catarse o desprendimento outrora empregue em mantras elétricos. Mas o reconhecimento da discografia – o que explica a sua omissão dos materiais biográficos – padroniza um percurso que nada tem de normal. Nascido no deserto do Ténéré, no Níger, em 1980, Bombino viveu o exílio por duas vezes: em criança, durante a Primeira Rebelião Tuaregue, ao mudar-se com a família para a Argélia e, em 2008, já comprometido politicamente com a Segunda Rebelião Tuaregue, ao fugir para o Burkina Faso após a execução de dois membros da sua banda. Foi aí que o descobriu Ron Wyman, antigo colaborador de Michael Moore e Bill Maher, encontrando assim um símbolo para o seu documentário “Agadez, the Music and the Rebellion”. Wyman levou Bombino para os EUA, onde lhe produziu metade de um disco que, graças ao acordo de paz entretanto atingido entre os rebeldes e a junta militar que traça o destino do Níger, viria a ser terminado em casa. É esta a história. A música, essa, é quase tão boa: uma investida em modas que se imaginam milenares por um guitarrista capaz de evocar o mais seco em Ali Farka Touré, atmosférico em Manuel Göttsching (Ash Ra Tempel) e esotérico em Richard Thompson.
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