Nunca ficou claro se a Sublime Frequencies construiu um programa ideológico a partir da exclusão geográfica ou se terá sido ao contrário. De facto, o missionário zelo que emprega nas suas expedições pelo globo trai com frequência a problemática geral das culturas locais que vai encontrando pelo caminho mas raramente deixa de salvaguardar a superioridade moral da sua convicção. Daí, desde a sua criação, em 2003, privilegiar a editora a divulgação de música de minorias étnicas, de manifestos oriundos de focos de dissensão política, de frenéticos veículos de êxtase espiritual e dos mais surpreendentes impulsos de diluição de fronteiras estéticas naqueles que aspiram por divisões nacionais. Naturalmente, o Group Doueh, que faz tudo isso, assenta-lhe que nem uma luva. Activo há mais de 20 anos em Dakhla, a cidade costeira do Sara Ocidental, na Mauritânia, o grupo de Salmou ‘Doueh’ Bamaar, que já passou por Portugal, luta pela sobrevivência sarauí como, por exemplo, mais a leste no mesmo deserto, se dedicam os Tinariwen à autonomia tuaregue. E é evidente como, quer uns quer outros, adaptaram a sua produção a fórmulas mais hegemónicas assim que entraram em contacto com plateias globais. “Zayna Jumma”, em comparação com discos anteriores, sublinha essa dialéctica de duas maneiras: primeiro, através da acção de Hamdan e El Waar (filhos de Doueh, respectivamente, na bateria e no sintetizador), que, tema a tema, tanto estranham a tradição em que se inserem quanto, conforme os recursos estilísticos utilizados pelo pai (ora à guitarra elétrica ora ao tinidit, invariavelmente individualista), lhe repetem os preceitos mais ortodoxos; segundo, pela forma como a voz de Halima, mulher de Doueh, se sobrepõe a essa tensão de fundo, imune a qualquer variação, lembrando que compromisso e resistência podem ser faces de uma mesma moeda.
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