Podia ser com uma capa destas que Umberto Eco tinha pesadelos quando no seu “Tratado Geral de Semiótica” denunciava as limitações da mimese icástica. Só na arbitrariedade lógica dos que seguem cegamente as convenções culturais faria sentido representar um título como este com letras em forma de salsicha organizadas em cinco espetos a simular as linhas de uma pauta. Dir-se-á que se trata antes da evocação de um tempo permeável ao kitsch – o dos anos 80 – em que Zeca Pagodinho ou a banda Fundo de Quintal praticaram com outra arte aquilo que, transformado em verbo, acabou por, anos mais tarde, se resumir às intenções de ‘Hoje Eu Vou Pagodear’: “beber uma cerveja bem gelada, dar aquela paquerada/ na loira, na pretinha, na morena, na gracinha, no design da bundinha da mulata”. Porque será no mínimo licencioso imaginar-se este Seu Jorge entregue aos prazeres da carne pelas tardes de domingo de um mundo pré-sida. Isso se, entretanto, e de facto, transferiu para a mulher o valor de que, precisamente em ‘A Carne’, falava com o grupo Farofa Carioca em 1998: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”. Comprovam-no versos de ‘Amiga da Minha Mulher’ (“vive dando em cima de mim/ […] se fosse mulher feia, tava tudo certo/ mulher bonita mexe com meu coração”) ou de ‘Japonesa’ (“vou dizer arigatô/ eu anteontem comi o seu sushi/ perdidamente apaixonado estou/ quero ser seu tamagoshi”), nos quais continua a criar personagens masculinas com uma sensibilidade de pornógrafo. Seguindo instintos populistas, este primeiro tomo de uma anunciada trilogia decalca os traços formais samba-funk de “Samba Esporte Fino” (a sua estreia a solo, em 2001) sem lhe importar nenhum do carácter. E se, aí, a qualidade da música ainda tornava possível ignorar a lírica, aqui, a sua redundância põe a descoberto o embaraço de cada frase.
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