Há, no planeta, múltiplos organismos com formas pouco sofisticadas nos quais a biologia identificou características com raras alterações ao longo de milhares de anos. Podem não ter ossos, olhos ou estômago – como, sobre os invertebrados, escreveu Sue Hubbell em “Waiting for Aphrodite” – mas, por se adaptarem perfeitamente ao ambiente circundante, o mundo é seu. É assim para esponjas marinhas e – de Caetano e Chico a Adriana Calcanhotto e Seu Jorge – para certa música popular brasileira de 2011. Entre os dois últimos – numa aproximação procedimental a Jorge, pois se repetem aqui recentes colaboradores seus como Pupillo, Lúcio Maia e o multi-instrumentista norte-americano Miguel Atwood-Ferguson – desponta agora Marisa Monte, em 14 temas que resultam numa lisura ideológica entalhada apenas pela mais decadente afectação. Recorrendo às estratégias de “Mais” ou “Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão”, torna a convocar luminárias como Marty Ehrlich, Greg Cohen ou Bernie Worrell e ensaia um rigoroso palimpsesto sobre a discografia passada, no qual, como em “Memórias, Crónicas e Declarações de Amor”, reinvoca a tutela sentimental de Roberto Carlos e Tim Maia, revisita géneros regionais, como em “Barulhinho Bom”, e esgota as púberes fantasias poéticas dos tribalistas Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown (ex: “amar alguém só pode fazer bem/ não há como fazer mal a ninguém/ mesmo quando existe um outro alguém/ mesmo quando isso não convém” ou “eu posso te fazer feliz/ feliz me posso sentir também”). A simplificação do discurso é contrariada por uma complexidade operacional – com convidados como Rodrigo Amarante, Gustavo Santaolalla ou Money Mark gravados entre Los Angeles, Buenos Aires ou Nova Iorque – que despista a única verdade possível: se efectivamente evoluísse, deixaria de conseguir sobreviver.
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