12 de julho de 2014

Sugestões de verão



Djavan “Rua dos Amores – Ao Vivo” (Sony, 2014)
Com swing traçado a regra e esquadro, garante-se o controlo laboratorial do último de originais, até que de um tubo de ensaio verte “A manhã me socorreu com flores e aves”, de ‘Asa’, e é novamente 1986. Ou o tempo de ‘Meu Bem Querer’, ‘Sina’ e ‘Oceano’, em que o público faz ver quem detém a custódia das canções.

Gilberto Gil “Gilbertos Samba” (Sony, 2014)
Atento aos astros, Caetano achava profética a coincidência do nome próprio de Gil com o apelido artístico de João Gilberto. Agora, diz que “ouvir Gil tocando João é entrar em contato com toda a aventura de nossa música.” Num jogo de espelhos, eis ‘Doralice’ e ‘O Pato’ e ‘Desafinado’ e o medo do espelho se quebrar.

Paco de Lucía “Canción Andaluza” (Universal, 2014)
Falecido em fevereiro, Paco de Lucía deixou para trás um álbum que possui qualquer coisa daquele “verão invencível” de que falava Camus. Consagrado às coplas de Quintero, León e Quiroga que ouvia Paco em menino, o disco lembra, também, outra coisa que dizia sempre o seu autor: que “a infância é um destino”.

Tinariwen Emmaar” (-Anti, 2014)
A condescendência dos que não distinguem o Sara do Mojave facilita a vida a tuaregues que editam como quem promove angariações de fundos e compõem a areia e sangue. Na última digressão por uns gelados EUA, ardia o Azauade e as faíscas nos seus olhos lembravam o que disse Thoreau sobre criar um verão em pleno inverno.

“The Real… Bossa Nova” (Sony, 2014)
No baú há linhos (o Jobim de “Stone Flower”, o João Gilberto de “The Best of Two Worlds”), algodões (o Miles de “Quiet Nights”), sintéticos (o George Duke de “A Brazilian Love Affair”) e tecidos por estrear: compactos de Flora Purim e Leny Andrade e um tema do lendário LP cantado em inglês por Johnny Alf.

“The Musical Voyages of Marco Polo” - En Chordais, Ensemble Constantinople, Kyriakos Kalaitzidis (World Village, 2014)
Juntou o mar ao deserto, estepes a cadeias montanhosas, e, agora, Kalaitzidis vê-o como um arauto do turismo acidental. Via Marco Polo, eis lamentos do trecento italiano, poesia iraniana do século XIV, perfumes uzbeques na voz de Nodira Pirmatova, aragens difónicas mongóis e as cores da rota da seda.

Jean-Louis Matinier, Marco Ambrosini “Inventio” (ECM, 2014)
Matinier e Ambrosini passam por Bach, Pergolesi ou Biber e é o Vidal-Folch de “Turistas del Ideal” que vem à memória. Aliás, provou-o um com Brahem ou Couturier e outro com Unicorn ou Accentus que, tal como o pelo da raposa, mudam de cor conforme as estações. Aqui, possuem o tom do barro que cerca o Mediterrâneo.

Kronos Quartet “A Thousand Thoughts” (Nonesuch, 2014)
Para os neófitos há a “Kronos Explorer Series”, caixa que reúne uma mão-cheia de clássicos de viagem: “Pieces of Africa”, “Night Prayers”, “Caravan”, “Nuevo” eFloodplain”. E para os há muito convertidos chega este “A Thousand Thoughts”, assinalando com dez inéditos a indiscrição geográfica do quadragenário quarteto.

“Piano” - Myung Whun Chung (ECM, 2014)
Será um oximoro afirmar-se que o maestro aproveita uma primeira oportunidade para gravar enquanto solista através de “Ao Luar” (Debussy), “Para Elisa” (Beethoven) ou “A Sonhar” (Schumann)? Talvez não, pois, como dizia Eugénio de Andrade, provém de um lugar “onde o fogo de um verão muito antigo/ cintila”.

Vivaldi: The Four Seasons – Recomposed by Max Richter - Daniel Hope, Konzerthaus Kammerorchester Berlin, André de Ridder (Deutsche Grammophon, 2014)
Tivessem-se dado as chaves da Igreja de São Roque ou do Palácio Nacional de Mafra a Mies van der Rohe para uma remodelação e é provável que ¾ dos materiais originais fossem à vida, que é mais ou menos o que fez Richter com Vivaldi. Para quem acredita que o verão significa perdermo-nos nos outros.

Al Jarreau “My Old Friend: Celebrating George Duke” (Concord, 2014)
Começa esta dedicação e logo se ouve “ainda recordo aqueles cálidos dias”. Depois vem ‘Summer Breezin’’ e o cantor parece evocar o Keats de “antes fôssemos como borboletas, e vivêssemos apenas três dias de verão”. Consigo estão: Patrice Rushen, Stanley Clarke, Marcus Miller ou Lenny Castro. Dia 18 vai ao CCB.

Lina Nyberg “The Sirenades” (Hoob, 2014)
Algures entre a Carla Bley de “Escalator Over the Hill” e uma Annette Peacock dedicada à Off-Broadway, a cantora e compositora sueca, recorrendo à Norrbotten Big Band, sugere uma suíte estival assombrada por “monstros” e “sereias”, em que, por intermédio de Virginia Woolf, reflete sobre a condição feminina.

Miles Davis “Take Off: The Complete Blue Note Albums” (Blue Note, 2014)
Shakeaspeare sugeriu que talvez só as noites de verão fossem de sonho. Entre 1952 e 1954, muitos desses serões eternos se passaram ao som de três 10” de Miles Davis, agora reunidos: “Young Man with a Horn”, “Volume 2” e “Volume 3”, os de ‘Yesterdays’, ‘How Deep is the Ocean’, ‘Enigma’ ou ‘It Never Entered My Mind’. 

Paul Bley “Play Blue” (ECM, 2014)
Desde “Open, To Love” que, também na ECM, e na ocasião graças a repertório de Carla Bley e Annette Peacock, patenteou Paul Bley, a solo, os seus estudos de contrastes. Aqui, na gravação anagramática de um concerto em Oslo, de agosto de 2008, dir-se-ia que é verão nas teclas brancas e inverno nas pretas.

Pharoah & The Underground “Spiral Mercury” (Clean Feed, 2014)
Quem conhecesse o registo do encontro em Saalfelden entre o espasmódico Pharoah Sanders e o híbrido com cabeças de serpente engendrado por Rob Mazurek sabia ao que ia: à invocação do zoroástrico Miles de “Dark Magus”. Este exorcismo, bem como o complementar “Primative Jupiter” (sic), foi gravado no Jazz em Agosto de 2013.

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