20 de setembro de 2014

Mahler: Lieder (Harmonia Mundi, 2014)





Bernarda Fink (v), Anthony Spiri (p), Gustav Mahler-Ensemble, Tonkünstler-Orchester Niederösterreich, Andrés Orozco-Estrada (d)

A adaptação televisiva para o canal Biografia diria qualquer coisa como “Uma Vida em Canções”. E, de facto, não se pode dizer que Bernarda Fink decline uma leitura psicológica da matéria que tem em mãos. Ou seja, volta-se à ideia do lied enquanto portal para o âmago de Mahler. Nessa perspetiva, termina da melhor maneira o programa que a cantora nos traz, com aquela entre as “Canções-Rückert” – “Eu estou perdido para o Mundo” – que o compositor apontava como uma acabada descrição de si mesmo: “Vivo só no meu paraíso/ no meu amor, na minha canção”. E nesse momento – porque não há efetivamente forma de se pôr um pé na eternidade – o aveludado mezzo-soprano deixa-se sumir, fechando com desarmante elegância o espaço de intimidade que este recital torna acessível. É também um modo de renunciar ao fatalismo que normalmente infeta estas páginas. E as peças da juventude agora reunidas – “Na Primavera” ou “Canção de Inverno” – apenas antecipam uma ligação algo antitética à natureza que o ciclo “Canções de um Viandante” (aqui, estranhamente, na versão de câmara de Schoenberg) viria a confirmar: desabrocham supersticiosas campainhas azuis ali, chilreia um inconsciente passarinho acolá, um irresponsável tentilhão deseja “Bom dia!”, e o narrador fica preso nas suas próprias ilusões, prostrado, condenado a sofrer e a definhar para sempre – em banda-desenhada, uma caricatura de Mahler teria constantemente uma nuvem negra a pairar sobre a cabeça. Fink sabe-o bem, e as suas “Canções sobre a Morte das Crianças” evitam a histrionia e sugerem um conhecimento do Modelo de Kübler-Ross. Se há um Mahler que não é para neuróticos, é este.

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