21 de março de 2015

Grigory Sokolov "The Salzburg Recital" (Deutsche Grammophon, 2015)


Há uns anos, em entrevista à “International Piano Magazine”, Sokolov explicava que lhe era impossível detalhar programas com muita antecedência: “Toco apenas aquilo que de facto quero tocar no momento atual.” Sabia perfeitamente que isso contrariava as necessidades de quem o contratava, mas não havia grande coisa a fazer: “Essas pessoas não têm escolha. Não aceito encomendas”. Por ora, esse apetite coincide com peças de Bach, Beethoven e Schubert. A 30 de julho de 2008, data da gravação que marca esta sua estreia na DG, o objeto do seu desejo era um par de sonatas de Mozart e o opúsculo 28 de Chopin. Do primeiro, quiçá para recordar uma composição do período em que Mozart permanecia ao serviço do Príncipe-Arcebispo Colloredo, em Salzburgo, cidade que acolhia o seu recital, começa por explorar a sonata K 280, de 1774, e faz maravilhas com a aria siciliana do Adagio, talvez com a ‘Ach, ich fühl's, es ist verschwunden’, de “A Flauta Mágica”, em mente. Depois, passa para a K 332, contemporânea da “Marcha Turca”, e convence quem o ouve que, para si, tocar piano é sinónimo do verbo sentir, e que a emoção será porventura o único compasso pelo qual se deve medir a vida. Não obstante a entrega, para os mais familiarizados com versões de Pires ou Uchida poderá revelar-se inesperadamente hesitante. Já nos “Prelúdios”, do polaco, concentra o que de mais celífero havia, por exemplo, em François ou Arrau e o que de mais telúrico se deteta em Argerich ou Gulda. No fundo, aqui, o verdadeiro milagre é lembrar as palavras com que George Sand termina “Um Inverno em Maiorca”, crónica da viagem em que Chopin precisamente os escreveu: “O homem não foi feito para viver com as árvores, as pedras, o ar puro, o mar azul, as flores e as montanhas, mas sim com os seus semelhantes”.

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