17 de setembro de 2016

Allen Toussaint “American Tunes” (Nonesuch, 2016)



A propósito das Presidenciais norte-americanas, muito se tem falado da Estátua da Liberdade. Mas, inexplicavelmente, e quiçá pela imediata associação às eleições de 2008, quando a mesmíssima canção, num vídeo produzido pelo grupo de pressão Progressive Future, serviu para potenciar anúncios pró-Obama, não voltou a ser notícia ‘American Tune’, de Paul Simon, aquela balada em que o narrador é um emigrante entregue à sua sorte, resignado, confuso, esquecido, “cansado até ao osso”, capaz de hospedar uma culpa qualquer saída do discurso do “viver acima das possibilidades” e de, em simultâneo, cantar “E sonhei que morria/ E sonhei que, aos céus, a minha alma ascendia// Sonhei que estava a voar/ E que lá do alto via/ A Estátua da Liberdade/ A fazer-se ao mar”. Curiosamente, neste álbum, quem a relembra é Allen Toussaint, compositor, produtor e pianista, um dos artífices da modernidade mestiça em Nova Orleães e, como o emigrante de Simon – no caso, por via da força destrutiva do furacão Katrina –, também ele instruído na arte de recuperar de adversidades. Nesse capítulo, como é costume dizer-se, não há maior do que a morte, mas Toussaint, que faleceu em novembro passado, em digressão, vítima de enfarte do miocárdio, munido de uma simplicidade e insaciedade praticamente evangélicas, até essa dá mostras de desafiar por intermédio de um disco que, em rigor, terá tanto de póstumo quanto de póstero. Além de Simon, Toussaint toca Fats Waller, Professor Longhair, Billy Strayhorn, Duke Ellington, Louis Moreau Gottschalk, Earl Hines, Bill Evans, e só ele para desviar ‘Waltz for Debby’ da cadência da valsa. Tudo gente que sabia que, antes de ser cultural e, muito menos, nacional, a música é um fenómeno pessoal. Isto é, que a grande “canção americana” é aquela não exclui nada nem ninguém.

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