24 de setembro de 2016

Vieux Kanté “The Young Man’s Harp” (Sterns, 2016)



Em outubro de 1995, “munido de um amplificador Roland, duas guitarras e com a bagagem de porão a transbordar”, Banning Eyre, músico, jornalista e editor do programa de rádio e revista digital “Afropop Worldwide”, apanhou um voo de Nova Iorque para Bamako. Aguardava-o Djelimady Tounkara (líder da Super Rail Band e força motriz da música moderna maliana), com quem iria passar sete meses em aprendizagem. Foi um discipulado que revelou falta de vocação de ambas as partes, embora o relato da experiência (“In Griot Time”) seja de leitura obrigatória. Na véspera de regressar aos EUA, Eyre passou pelo complexo habitacional dos Tounkara, para o qual tinha convidado amigos de que se queria despedir. “Nessa noite sentia-se uma estranha turbulência pelo ar”, conta. “O vento soprava pó e detritos por todo o lado e poucos se aventuravam a sair de casa. Mas o Harouna [Samaké] apareceu, de kamalé ngoni na mão. Insisti para que ele e o Djelimady me tocassem qualquer coisa e eles assentiram, misteriosamente fluentes na linguagem musical um do outro. Ouvi-los cantar ‘Lamban’, um clássico griô, foi como uma recapitulação de tudo o que tinha aprendido. Se fosse produtor era isto que desejaria gravar: rompia com a tradição; não se encaixava em formato nenhum; era música radiosamente espontânea, o segredo mais bem guardado do Mali.” No dia seguinte começava a estação das chuvas e Eyre escrevia a última linha do seu livro rumo ao aeroporto: “Rios de lama levavam o entulho ressequido de uma estiagem de sete meses e séculos de canções ressoavam em mim.” Dez anos depois, em 2005, de volta a Bamako, viria a sentir tudo isto outra vez ao assistir a uma atuação do cego Noumoussa Soumaoro, ironicamente apelidado de “Vieux Kanté”, um fenómeno que ficou em trânsito para a história como o ‘Jimi Hendrix do kamalé ngoni’ (faleceu por essa altura, aos 31 anos). A par de “Sans Commentaire” (outra das suas alcunhas, pois era a única reação possível ao seu virtuosismo), editado em 2013, esta é única gravação sua que se conhece. E foi Eyre que a levou à Sterns. E, sim, chega com a força de uma monção.

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