Com relativa
ironia, “At This Time…” chega às lojas portuguesas com quase um ano de atraso. Mas
não importa muito. Basta prestar atenção às reticências. Até porque, e ao
contrário de outros pianistas da sua geração (como McCoy Tyner, Herbie Hancock,
Chick Corea, Stanley Cowell ou Keith Jarrett), a verdade é que Steve Kuhn nunca
acusou a responsabilidade da liderança moral que por vezes vem com o jazz.
Aliás, nem isso, nem aquela propensão de misturar astúcia com auspício que
invariavelmente reduz os seus agentes à condição de profetas. O que não quer
dizer que não saiba cruzar os conceitos, crenças, costumes ou convenções que
constituem o cerne de uma cultura tão bem como os outros. Mas, nessa
perspetiva, dir-se-ia mais próximo de figuras como Ran Blake ou Kenny Barron,
que não dissimulam uma sensibilidade local, é certo, mas que parecem encarar
cada disco como uma forma de contemplação.
Há, até, uma
frase de Steve Swallow que aponta nesse sentido: “Quando toca, Kuhn lembra-me
os exercícios de respiração que alguém tem de fazer quando quer atribuir um som
vocal ao seu instrumento”, declara o baixista a Doug Ramsey, autor das notas de
apresentação deste CD. Confrontado com uma frase do género, numa entrevista com
Kuhn, há coisa de dez anos, o jornalista Ralph A. Miriello associava a técnica
à prática da meditação. Mas Kuhn falava mais de pedagogia do que de fisiologia.
E, de certa maneira, repetia o que a sua professora de piano, a famosa Madame
Chaloff, lhe dizia nas suas lições: “O piano é um instrumento de sopro”,
enquanto o mandava olhar da janela o voo das andorinhas. Hoje, basta ouvi-lo
uns minutos que logo se entende o impacto que a escola russa teve na sua
sonoridade. E quase se imagina quem o ensinou a explicar-lhe que, antes de
mais, há que aprender a ser livre.
Por sinal,
Kuhn, Swallow e Joey Baron comungam desse princípio. Tocam em trio e sem
detrimento da clareza nas respetivas articulações é praticamente uma orquestra
o que se ouve. Por isso nada se perde em termos de retórica na redução que
aplicam a standards provenientes do
palco e do grande ecrã, como ‘My Shining Hour’ (que Fred Astaire e Joan Leslie
cantaram em “Bailado do Amor”), ‘Lonely Town’ (do musical “On the Town”, de Leonard
Bernstein, Betty Comden e Adolph Green) e ‘This is New’ (do espetáculo com
música de Kurt Weill e libreto de Ira Gerswhin). Depois há ‘All the Rest is the
Same’ e ‘The Feeling Within’ (este, a solo), dois típicos originais de Kuhn,
eloquentes, poéticos e prontos a evocar a música húngara que ele tanto escutava
em criança (com a ênfase na primeira nota de cada frase e contínuas modulações, por exemplo). Tudo sem pôr um pé no chão, como que a voar.