7 de outubro de 2017

Gary Peacock Trio “Tangents” (ECM, 2017)


Há 30 anos, numa carrinha, a caminho de Berkeley, na Califórnia, Keith Jarrett, Gary Peacock e Jack DeJohnette matavam o tempo a falar de tudo um pouco, “de outros músicos, do passado”, até que a conversa foi parar a Ahmad Jamal. “Eu falei-lhes no ‘White Album’ [uma antologia, de 1959] e eles puseram-se a olhar para mim, espantados, porque a verdade é que, sem o saber, cada um de nós tinha tido uma experiência importante ao ouvir o disco”, lembrava Jarrett, numa entrevista de 2001 a Ted Panken. Levado, pelo jornalista, a admitir, ao certo, o que teria provocado tamanha conformidade de juízos, Jarrett respondia assim: “Bem, o Miles [Davis] dizia mais ou menos a mesma coisa – que, o que o teria de certa maneira influenciado era o modo como [o trio de Jamal] usava o espaço. E eu diria algo do género: que aquilo, precisamente, que eles não tocavam se provava indispensável [para a música que produziam].” 

Escute-se, aqui, a versão que Gary Peacock, Marc Copland e Joey Baron fazem de ‘Blue in Green’, o tema mais transcendente de “Kind of Blue”, e ficará perfeitamente ilustrado o comentário de Jarrett: Copland a pintar a melodia inicial com tinta invisível e praticamente a sair de cena, Peacock a fazer um perfeito contraponto cromático para as cores que Copland não mostra mas que se sabe lá estarem, Baron a tocar pacientemente com vassouras, imperturbável, como quem mói pigmentos naturais num almofariz. Como é óbvio, tudo isto – este desapego à forma, entenda-se – é muito Zen. E traz efetivamente à memória o que Peacock fez ao lado de Bill Evans, autor do tema (o que, como se sabe, não foi razão suficiente para que Miles dele se deixasse de apoderar fraudulentamente), e, mais ainda, com Jarrett. Aliás, não terá sido outro impulso a estar por trás da formação do trio Standards, em 1983 (“E se recorrêssemos a material que é, já, parte tão integral daquilo que nós somos – esteja ele na nossa cabeça ou nas nossas mãos – que nem sequer nos temos de preocupar com isso?”, foi uma formulação de Jarrett). Agora, Peacock fala de tangentes. Na vida, tal como no jazz, é quanto basta.

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