4 de novembro de 2017

Agenda: Guimarães Jazz


Imagina-se as conversas de circunstância, entre idas e vindas do aeroporto, ao pequeno-almoço, nos bastidores: a “sinalização dos cem anos decorridos desde a gravação do primeiro registo discográfico de um género musical (…) a que se convencionou chamar ‘jazz’” a dar-se na cidade-berço! A admissão da ideia como projeto é feita na apresentação do Guimarães Jazz deste ano, que prossegue desta forma: “A gravação da Original Dixieland Jass Band corresponde, numa dimensão simbólica, à fundação de uma linguagem musical autónoma. A partir desse momento, a história do jazz mudaria para sempre, até porque a documentação em registo sonoro teve importantes implicações no desenvolvimento de uma música intrinsecamente volátil e que foi sempre (…) baseado na improvisação e na execução em tempo real.” Era exatamente nisso que pensava quem se pôs a escutar ‘Dixieland Jazz Band One-Step’ e ‘Livery Stable Blues’, os lados A e B do peregrino lançamento que a Victor colocou no mercado em 1917: a ODJB produzia em disco o equivalente ao que na estrada faziam os V8 que a Chevrolet instalava em carros seus da altura, ou seja, gerava mais cavalos do que aqueles que a sua carroçaria dava mostras de suportar. Tudo isto porque teve de gravar com o pé no acelerador: é que, de outro modo, as orquestrações dos temas tal como os executava não cabiam no 78 rotações – ao vivo, não obstante pontuais invetivas ao cânone, costumava tocar tão baixinho que se ouviam os pés dos dançarinos a arrastar-se no salão de baile, como lembrou Richard Sudhalter em “Lost Chords”. Poderia referir-se a isto, Ivo Martins, diretor artístico do festival, quando em “O Jazz Depois do Jazz”, um livro de ensaios recentemente publicado pela 7 Nós, lembra que “todas estas formas de actuação (…) revelam que o jazz nunca estabeleceu um verdadeiro compromisso com um modelo estável, constante e regular de construção” e que “ainda hoje se encontra num regime aberto de exploração.” O que não parece impedir que o Guimarães Jazz construa uma narrativa com princípio, meio e fim. Este ano ancora-se em valores patrimoniais mas não há cá remoalho: destaques para a All Star Orchestra (na foto), para o quarteto de Andrew Cyrille, para os Mostly Other People Do The Killing, para o sexteto de Allison Miller e para a big band de Darcy James Argue.

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