28 de julho de 2018

Agenda: Jazz em Agosto

Há coisa de 30 anos, à revista Wire, John Zorn jurava a pés juntos que só era convidado para tocar em festivais de jazz “porque os organizadores precisam de alguém para agitar as águas e gerar controvérsia”. Interessado que estava em elevar o transtorno de personalidade a modalidade olímpica, não lhe passava pela cabeça que se referia já ao futuro habitat dos bizarros organismos que engendrava – “algo que recolhe elementos do rock, do blues, da música clássica, do folclore, e que se reúne filmicamente”, dizia. De facto, na altura, na sua mesinha de cabeceira, no topo de uma pilha de livros consagrados ao oculto, devia estar amiúde o “Frankenstein”, de Mary Shelley, a par de “On Film Editing”, de Edward Dmytryk. Aliás, o que mais atraía na sua produção era exatamente essa sua capacidade em ignorar limites, cuja raiz, presumia, eram as muitas horas passadas em frente ao televisor em miúdo – antes de “Poltergeist”, claro. Desde então, as suas técnicas e ideias parecem cada vez mais começar onde as dos outros terminam, numa zona de fronteira que se entende ter crescido dentro de si, porventura sem que o soubesse, e pela qual contrabandeia a maior das emoções na cultura popular: mostrar-nos tudo o que poderíamos ser. Porventura em honra dessa sua dimensão evangelista, e, quiçá, por nunca ter sacrificado uma posição periférica em termos artísticos, a 35ª edição do Jazz em Agosto está-lhe inteiramente subordinada. Distante daquela formação de pústulas hormonal que lhe marcou a adolescência criativa, trata-se, agora, de um conjunto de opúsculos devidamente amadurecido, embora jamais divorciado da delinquência e nos quais uma espécie de aura messiânica não chega por completo a disfarçar a centelha da megalomania. Verdade seja dita, parte do interesse desta extraordinária série de concertos será assistir à reação dos instrumentistas ao culto ctónico que a Gulbenkian promove em torno de Zorn e que tem como principal expoente a sessão dupla de hoje à noite, com o quarteto de Mary Halvorson seguido de Masada (Zorn, Dave Douglas, Greg Cohen e Joey Baron) às voltas com a escala menor melódica. Amanhã há um recital de Barbara Hannigan (19h30, com Stephen Gosling ao piano) e uma atuação de Zorn em órgão de tubos (às 21h30, com Ikue Mori no laptop); segunda (21h30), o quarteto de John Medeski, Kenny Wollesen, Trevor Dunn e Joey Baron e o trio de Marc Ribot, Dunn e Kenny Grohowski tocam “Bagatelles”, fulgurantes peças atonais escritas por Zorn em 2015; depois, destaque-se o quarteto de Kris Davis e o trio de John Medeski (quarta, 21h30), o trio de Mori, Craig Taborn e Jim Black (quinta, 21h30) e o quarteto de Matt Hollenberg, Julian Lage, Dunn e Grohowski (sexta, 21h30).

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