21 de julho de 2018

Haydn: Piano Trios (Harmonia Mundi, 2018)

Regressa o Trio Wanderer a Joseph Haydn, dezassete anos após um superlativo volume consagrado a alguns dos derradeiros trios para piano, violino e violoncelo do compositor – daqueles em que, aos poucos, e de modo incremental, se ia sentindo já o apelo da eternidade de que Drummond veio a falar. Altura, então, de se atrasar ligeiramente os ponteiros do relógio e de apanhar Haydn na mais tardia emancipação da história da música clássica, quando, aos 58 anos, se começou a libertar dos Esterházy. Daí, quiçá, a espontaneidade, exuberância e deleite praticamente juvenis presentes em Hob XV: 14 (de 1790), Hob XV: 18 (de 1793) ou Hob XV: 21 (de 1794) – os seus trios nº 27, 32 e 37, respetivamente. Isto, claro está, depois da morte do príncipe Nikolaus, o maior dos patronos de Haydn, e em consequência do desmantelamento do consórcio musical à família associado às mãos de Anton, seu filho e herdeiro. 

Trata-se de um período em que Haydn pôde começar a administrar as suas composições livremente, a aceitar encomendas e, pasme-se, a aventurar-se para lá dos domínios dos Habsburgos – até viu o mar! Aliás, numa carreira com poucos divisores de águas, tornou-se eminentemente simbólica a sua travessia do Canal da Mancha no dia de ano novo de 1791, devidamente alforriado e com Londres como destino. Afinal, tinha chegado da capital britânica o desafio para que escrevesse exatamente este tipo de trios. Constam relatos da apoteótica receção a um homem de simpatia e feiura inexcedíveis, de idade avançada e aspeto subnutrido, de peruca empoeirada, marcas da varíola no rosto e protuberantes pólipos nasais – conforme confessou ao seu biógrafo, “não foi pela beleza” que seduziu tantas beldades ao longo da vida. Claro que não: a ponto de lhe terem roubado o crânio depois de morto, foi pelo que tinha na cabeça. Além de tudo o resto – sinfonias, quartetos, oratórios –, por coisas como os trios Hob XV: 26 e 31 (de 1795 e 1797), a cuja inspiração formal e melódica é dada aqui expressão definitiva.

Sem comentários:

Enviar um comentário