Há 300 anos, em Londres, dava-se nas páginas de
“The Daily Courant” com o anúncio de que Handel se via obrigado a publicar
“estas lições, para que o público não fosse exposto a informações incorretas, obtidas
de modo fraudulento”. Parece um tweet
de Donald Trump! Afinal, as pautas que começavam a circular na Holanda em 1720
eram fake news. Ou melhor, essas
“Pièces à un & deux Clavecins composées par Mr. Hendel”, a que certamente se
referia, eram, na realidade, edições piratas dos manuscritos que distribuía
pelos seus alunos, com sequências de acordes e pouco mais. Era seu “dever”,
defendia, “servir uma nação [a Inglaterra] que o agraciava com o mais generoso
dos patrocínios”. Afinal, aí, após uma temporada passada na residência de James
Brydges, 1º Duque de Chandos, e nem que para tal fosse necessário abrir o jogo
e pôr ornatos e um pouquinho mais de carne naqueles esqueletos, o compositor de
“Rinaldo” e futuro diretor artístico de opera
seria na Royal Academy of Music teria que zelar pela sua reputação. Johann Sebastian
Bach, por sinal, mostrar-se-ia agradecido: em Leipzig, meia dúzia de anos
depois, a Allemande da sua “Partita
Nº 2”, em Dó menor, citaria, nota a nota, o início da Allemande da “Suíte Nº3”, em Ré menor, de Handel. Mas, mais
agradecida, ainda, ficaria aquela gente para a qual as suas melodias funcionavam
como um feitiço e uma forma de aceder a um mundo que, mais que longínquo,
parecia, muito pelo contrário, à beira de se concretizar: o Palácio de
Buckingham, o Teatro da Rainha, Marlborough House, Hanover Square, Teatro de
Haymarket, uma nova Londres que só Handel tornaria completa e merecedora da
sensação de segurança, riqueza e privilégio que projetava e, sim, uma Londres
em que não se apagassem por completo das fachadas as marcas daquela forma de
vida caótica e desesperada, anterior à Restauração, que essa gente queria
largar mas de que não se podia dar ao luxo de esquecer. Árias com a esperança
de vida de uma borboleta – que voa até desaparecer, até se extinguir, dissolver
e se tornar ar – e Fugas – com mão esquerda e direita a comportarem-se como se
travassem uma luta há nos e este fosse o seu armistício – sucedem-se sem aviso,
independentemente de normas, de escolas, de Telemann, Couperin ou Scarlatti. Um
grito de liberdade que Hantaï honra como ninguém e que traz à memória o que
Scarlatti, precisamente, terá dito um dia, em Veneza, num baile de máscaras, ao
ouvir Handel a improvisar: “Só pode ser o famoso saxão, ou o diabo.”
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