8 de janeiro de 2021

Sonny Rollins “Rollins In Holland” (Resonance, 2020)

Após a salva de artilharia dada por Ornette Coleman em “The Shape of Jazz to Come” e “Change of the Century”, costumava dizer-se que 1959 tinha sido o ano em que o jazz morreu. Bom, Sonny Rollins, pelo menos, perdeu a fala. Na altura, ali, quando o sol bate e se firma, quem o quisesse encontrar teria de procurá-lo na ponte de Williamsburg, longe das salas de concerto e das lojas de discos, onde ensaiava tardes inteiras, mais ou menos perdido na multidão. Foi aí que no verão de 1961 com ele se cruzou Ralph Berton, cronista da “Metronome”, que escreveu: “Quando dei por aquele som, de repente, nem queria acreditar. Era tão improvável escutá-lo naquele sítio: o sopro de um mestre!” Na História, o período ficou conhecido como o da sua primeira sabática, que interrompeu com “The Bridge” (1962). Existiria uma segunda, maior, mais sujeita a especulações, correspondente à fase do eremita errante, no hinduísmo, e que o conduziria à Índia – em estúdio, o intervalo entre “East Broadway Run Down” (1966) e “Next Album” (1972). Mas, na prática, na primavera de 1967 era preciso ser-se assinante do “Melody Maker” para se dar com ele: “Não sei como é com intérpretes de música clássica, mas, no meu caso, um músico de jazz quando entra num clube é avaliado pelo modo em como faz ou não faz negócio. Isto é, se não estiver a ser bom para a casa, começam logo a olhar para ele de lado. Se houvesse maneira de tocar sem este tipo de pressão, se o jazz tivesse outro estatuto, já era uma ajuda.” No continente, promotores holandeses liam as suas palavras e faziam as malas para ir a correr buscá-lo – mas seria possível que o responsável por levar gravidade, força de atração, perspetiva, espaço e tempo a um ponto que nem Einstein equacionou andasse por Inglaterra a tocar com Ronnie Scott, Stan Tracey, Tony Oxley e Dave Green?

Nos Países Baixos, em 1967, poucos músicos seriam tão admirados quanto Rollins – um baterista como Han Bennink, por exemplo, saberia de cor o que, a seu lado, haviam feito Max Roach em “Saxophone Colossus” (1957), Elvin Jones em “A Night at the ‘Village Vanguard’” (1957) ou Philly Joe Jones em “Newk’s Time” (1959), e, face a Doug Watkins, Wilbur Ware ou Oscar Pettiford, o mesmo se aplicaria a um contrabaixista da estirpe de Ruud Jacobs. De modo crucial, sabiam igualmente o que o saxofonista fazia a bateristas e contrabaixistas como eles: “O Sonny tinha um timing tão impecável, uma noção rítmica de tal forma aprimorada, que tocar com ele era como que andar de elevador. Levava-nos onde fosse preciso, sem esforço algum”, adiantou Bennink a Aidan Levy, o biógrafo de Rollins. Por seu turno, Jacobs, na mesmíssima conversa (em julho de 2018, após a descoberta das presentes gravações), explicava-se assim: “Estávamos nervosos. Era normal. Mas mal o Sonny começou a tocar senti como que um peso a sair-me de cima. E só pensava: Mas que raio está a acontecer? Pois, a verdade é que a música seguia pelo próprio pé.” De súbito, para um punhado de sessões, sem um único ensaio, aparecia-lhes à frente o Rollins de “Freedom Suite” (1958) ou “Our Man in Jazz” (1962), aquele que acendia a lareira com standards mas que quando já não tinha lenha para queimar começava a partir a mobília aos bocados só para manter a chama viva – aquele que, a propósito destas atuações, no livreto, lembra que “o jazz é uma tentativa de chegar ao desconhecido, de olhar para o abismo, de estabelecer relações espontâneas, intuitivas, honestas, beatíficas… Que é o sítio onde vive, ligeiramente mais além.” Sabe bem do que fala – afinal, passou a vida inteira a construir a ponte para lá chegar.

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