11 de dezembro de 2020

Angelica Sanchez, Marilyn Crispell “How To Turn The Moon” (Pyroclastic, 2020)

Em 1998, a propósito de um concerto a quatro mãos na cidade, Danilo Pérez e Jacky Terrasson explicavam a “The Houston Press” o quão desafiante são os duetos de piano: “Se não tiveres dois músicos dispostos a partilhar, pode mesmo tornar-se um desastre – são muitas notas, muitas teclas. Tem de se resistir à tentação de ocupar o lugar vazio. Mas também não pode ir cada um para seu lado. É aí que se dão choques frontais. Tem de se ouvir bem o que o outro tem para dizer. E fica-se sensível a coisas em que normalmente nem se tem de pensar. É uma questão de abnegação e de generosidade. Com dez dedos é normal que exageres. Se tivesses quatro era mais fácil, mas assim é complicado!” Porque se trata, então, de espaço e de escuta, chegada a sua vez, não admira que Sanchez e Crispell tenham ido num par de temas buscar inspiração a escritos do espanhol Santiago Ramón y Cajal, que há mais de um século sugeria que o córtex cerebral se assemelhava a “um jardim cultivado com inúmeras árvores que multiplicam os seus ramos, aprofundam as suas raízes e produzem flores e frutos progressivamente mais requintados”, e aos avanços no domínio do sistema auditivo do alemão Hans Held, que respetivamente batizaram como ‘Lobe of the Fly’ e ‘Calyces of Held’. Ou seja, emprestada à caracterização que Ramón y Cajal fez do centro das capacidades intelectuais, a presunção, no caso, será a de que o piano ainda “contém continentes por explorar e enormíssimas extensões de terreno ignorado.” Nas suas mãos, assim é, de facto: mesmo que se pudesse criar uma ligação entre ‘Lobe of the Fly’ e uma obra como “Do Diário de uma Mosca”, de Béla Bártok, o metafórico frenesi agora retratado é todo ele excêntrico, imprevisível, como se, embaladas pelas suas fontes, as pianistas se dispusessem a dissecar cada peça e a estimular-lhe as sinapses. Há, antes, quem o tenha feito: o Stanley Cowell e o Dave Burrell de “Questions/Answers” (Trio, 1973) vêm à memória, bem como o Fred Van Hove e o Christian Leroy que, em 1982, concluíram: ‘On s’entend… C’est curieux’. Não de modo tão irreprimivelmente onírico quanto aqui, os dendritos encantados pelo desconhecido.

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