Se em vida Ali Farka Touré serviu as mais apócrifas especulações – e a maior, aquela parábola em que surgia como um ‘elo perdido’ entre qualquer coisa demasiado antiga para vir nos livros de História e o que pela América do Norte faziam bluesmen como John Lee Hooker ou Lightnin’ Hopkins, colou-se-lhe à pele desde a sua ‘descoberta’ – não será agora, ao cumprir-se o quarto aniversário da sua morte, que virá comprovar imperturbáveis axiomas. Mas não restarão dúvidas que, talvez por incapacidade em lidar com tão insular proposta, preferiram ignorá-lo (todos os que ‘o levaram’ ao ocidente) sempre que dizia, simplesmente, tocar “música africana”. Porque a verdade é que não há mais fiel expressão para o distinguir nem será outra – ainda que fiquem os momentos de maior notoriedade na sua biografia artística ligados a músicos de distinta proveniência – a fonte de que sempre bebeu. Para o entender basta voltar a “The Source” (1992), em que tudo depende da imanência musical de África.
Também “Ali & Toumani” se ouve como uma contínua balada. E, contrariamente a “Savane” (2006), que vinha sobretudo relembrar o que o seu autor fez em vida, aproxima-se este segundo título póstumo da ideia de testamento criativo. Porque se por um lado – frágil, brando, meditativo, de tempos lentos, cordas mal pisadas e guitarra amparada pelo diáfano rendilhado da kora de Toumani Diabaté – nele se reconhece um homem invadido pela leucemia, prudentemente resignado face ao seu destino, por outro, recorrendo com inesperada urgência a uma reserva de fantasia – a tradição mandinga – que há muito se provou inesgotável, permite imaginá-lo antes em eterno passeio pelas verdes margens do rio Níger, saudando com estas canções as blandícias da Primavera. E não se poderá pedir muito mais a um último álbum.
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